Como médico, o governador Geraldo Alckmin teve o que lamentar e o que comemorar ao longo da semana passada em todos os diagnósticos da questão prisional – isso na mesma semana em que se comemoraram os 400 anos da primeira edição do monumental O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha, livro que, por sinal, Miguel de Cervantes escreveu preso nas doentias dependências do Cárcere Real de Sevilha. Um dos ensinamentos de Cervantes, pela boca de Dom Quixote, é que “nem a lança dana à pena nem a pena à lança”. Ação e reflexão devem caminhar de mãos dadas. Trazida essa máxima ao mundo policial de São Paulo, o que se viu foi a precipitação da “lança de cavaleiros andantes”, e o governador foi envolvido num moinho de vento do qual só pode se lastimar: a polícia garantira que o sequestro do jornalista Ivandel Godinho estava solucionado porque ela achara os seus restos mortais. Teve de se desdizer porque a ossada encontrada no bairro do Capão Redondo nem sequer é de gente, é de cabrito e de porco. Há que se lamentar também que os presos que a polícia diz terem confessado o crime agora acusam os policiais de tortura. Miguel de Cervantes, preso e referindo-se às epidemias na cadeia, escreveu: o inferno “onde todo desconforto tem assento e todo triste ruído faz morada”. Novamente o governador, médico, tem o que lamentar: a tuberculose galopa nos distritos policiais. Quanto aos fatos que o governador, médico, pode comemorar, ficam por conta da Corregedoria do Departamento de Inquéritos Policiais da Polícia Judiciária e por conta da Secre-
taria da Administração Penitenciária e da sua Coordenadoria de Saúde. A correge-
doria faz valer a Constituição do Brasil e interdita os distritos em que os bacilos fazem a festa (eles são quase 400 vezes mais agressivos nos ambientes fechados e com precárias condições sanitárias). A Secretaria da Administração Penitenciária e a Coordenadoria da Saúde tocam o funcionamento de um dos mais modernos centros hospitalares do País e, nele, do total dos pacientes acolhidos com tuberculose, 70% chegam das delegacias. O médico Alckmin sabe quem corre contra o tempo e se precipita na lança confundindo ossadas, e sabe também quem sabiamente alia a lança à pena priorizando olhar para a bússola e não para o relógio – coisa que alguns não fazem quando se trata de desvendar crimes ou de cuidar medicamente das delegacias, preferindo imitar Dom Quixote, que seguia ao léu para fracassadas batalhas indo na direção que a cabeça de seu cavalo Rocinante apontava.