Forma e conteúdo nem sempre caminham juntos, mas deveriam. O mesmo ocorre com a fome e a vontade de comer, coisas diferentes. Iniciei este texto com duas citações populares, de propósito, e vocês entenderão o porquê.

Eu sou insuspeito por qualquer forma de preconceito ou má vontade em relação aos povos do norte e nordeste do Brasil. Ao contrário. Devo a estas duas regiões, praticamente tudo o que construí, profissionalmente falando.

Há mais de 20 anos, viajo com grande frequência – hoje, menos – para os estados do norte e nordeste (capitais e interior). Tenho laços de extremo carinho e amizade por lá, e sou muito grato pela maneira que me tratam.

Por isso, quando vejo o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, defender algo certo, mas da forma errada, e parte da imprensa e opositores políticos atacarem o “Chico Bento”, sinto-me estimulado a tentar explicar.

Zema acerta no conteúdo e erra na forma. O pacto federativo é uma aberração, e os estados do sul e sudeste estão corretíssimos em reclamar. Por isso, a rinha política, potencializada por certa imprensa, não é legítima.

Sul e sudeste concentram quase 60% da população e respondem por cerca de 70% da economia nacional. Por outro lado, justamente pelo número de habitantes e concentração urbana, padecem de problemas gigantescos.

As maiores favelas, os maiores gargalos de mobilidade, os maiores dramas sociais (moradores de rua e hospitais lotados) encontram morada nas capitais dos estados do sul e sudeste brasileiros. Isso não é opinião. É fato.

A despeito de tamanha produção de riqueza, a relação entre arrecadação e retorno de impostos federais é injusta. Em 2021, São Paulo arrecadou 540 bilhões de reais aos cofres da União, e recebeu menos de 10% de volta.

No mesmo ano, o Rio de Janeiro enviou quase 200 bilhões de reais a Brasília, que lhe retornou apenas 45 bilhões. O Rio Grande do Sul mandou 58 bilhões e teve de volta meros 13 bilhões de reais. É justo?

Minas Gerais pode se considerar um estado privilegiado, já que teve o retorno de quase 50% do que arrecadou, mas isso se deve, principalmente, aos quase 250 municípios mineiros circunscritos na esfera da SUDENE.

Ao defender os estados do sul e sudeste, Romeu Zema está olhando para Minas, obviamente, mas também para a assimetria que pauta o Congresso Nacional, a União e os estados, no que tange ao poder político e econômico.

As bancadas do norte e nordeste, historicamente, fazem prevalecer suas vontades políticas, com consequências econômicas. Há décadas, clãs como Collor, Calheiros, Barbalho, Magalhães e Lira dão as cartas em Brasília.

Não, não acho Lula, Bolsonaro, Maluf, Cabral, Garotinho, Aécio e companhia melhores, não. Mas é fato a descorrelação de forças. É desproporcional, se analisado o binômio população-PIB. E isso precisa mudar.

Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, foi o primeiro chefe de executivo estadual a se manifestar em defesa do colega mineiro, após a onda de ataques mentirosos deste fim de semana na imprensa nacional.

Zema não foi xenófobo, separista ou preconceituoso. E se fosse, Eduardo, um homossexual assumido e democrata inquestionável, não sairia em sua defesa. Aliás, eu mesmo, ainda que um mero desconhecido, também não.

A reação dos governadores e políticos das regiões norte e nordeste, essa sim, denota segregação. Falam como se houvesse uma “reserva de mercado” em seu favor, às custas de uma obrigação do sul e do sudeste.

Se há extrema pobreza nos estados mais ao norte – e há! -, a culpa, ou responsabilidade por ela, não pode ser atribuída a quem está mais ao sul, ora bolas. Até porque, como bem lembrou Zema, há muita pobreza aqui também.

Reduzir o debate do pacto federativo às falas do governador mineiro beira a má-fé. É uma forma clara de manter o “status quo” em favor de quem, hoje, ganha muito, às custas de quem ganha pouco, ou quase nada.

Zema faz bem em liderar o consórcio dos estados do sul e do sudeste, mas precisa de melhor comunicação e, sobretudo, prudência diante de um cenário de polarização e muita, mas muita má vontade em relação a si próprio.