“Esse produto é “bate caixa!” – grita Vanessa Dantas toda vez que vê uma peça que acredita ser de alto giro para as butiques do interior do País. Graças aos vídeos improvisados, feitos pelo celular, sem microfone nem luz, a especialista em moda virou uma espécie de celebridade para um público bem específico: os milhares de lojistas de todo o País que abastecem seus estoques nas 2 mil marcas instaladas em pontos de rua, shopping centers e edifícios comerciais da região do Bom Retiro, no centro de São Paulo.

Sócia de um pequeno negócio, o EModa, que produz vídeos filmados de loja em loja no Bom Retiro, Vanessa é também a apresentadora da plataforma online batizada Bom Retiro ao Vivo. Depois de perder dinheiro com o desenvolvimento de plataformas de e-commerce para conectar lojistas do interior às marcas do reduto paulistano de moda, o negócio começou a dar frutos ao se render às ferramentas gratuitas que estão nas mãos de todo mundo: YouTube, Instagram e – principalmente – WhatsApp. “Perdi dinheiro no passado, mas descobri que o WhatsApp é uma grande ferramenta de venda”, conta Vanessa.

O app de mensagens que pertence ao Facebook é a primeira plataforma para a distribuição dos vídeos que Vanessa produz, todos os dias, ao lado da modelo Mari Baxur. É sempre o mesmo esquema: depois de combinar rapidamente com as marcas quais modelos de roupa precisam promover, elas fazem vídeos curtos, filmados pelo celular de uma assistente.

Enquanto Vanessa insta os lojistas a comprar rápido e cobre os produtos de elogios, Mari faz uma ou duas trocas de roupas e dá dicas sobre combinações das peças e de estilo. Em dez minutos, resolvem a situação. E partem para a próxima loja.

Assim que são filmados, os vídeos são enviados para diversos grupos de WhatsApp com curadoria da equipe de Vanessa – sem edição ou pós-produção. Essa audiência é hoje composta de mais de 3 mil butiques espalhadas pelo Brasil, divididas em 12 grupos (todos com a lotação máxima de 256 membros cada).

À medida que os clientes conectados demonstram interesse em certos produtos, entram em ação as compradoras da EModa. Hoje são oito profissionais, que têm uma carteira de 40 a 60 clientes cada. Acompanhando os vídeos postados, elas passam a responder individualmente às questões. Ajudam a escolher peças e tamanhos. Por fim, providenciam o envio dos pacotes pelo correio.

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A remuneração da EModa vem da comissão cobrada das vendas intermediadas pela plataforma. Dos 3 mil clientes que interagem nos grupos do app de mensagens, 900 já comparam pelo menos uma vez usando o serviço idealizado por Vanessa e pelos sócios Jéssica Braschi e Luiz Moraes.

As marcas do Bom Retiro, por enquanto, não pagam nada para aparecer nos vídeos, mas Vanessa já desenha um formato para ganhar nas duas pontas. A ideia é remunerar a audiência qualificada, que inclui também 20 mil seguidores no Instagram, além de canais nas plataformas de vídeo YouTube e Vimeo.

‘Pulo do gato’

A aposta do EModa no WhatsApp tem razão de ser. De acordo com lojistas ouvidos pelo Estado, o WhatsApp virou uma ferramenta importante de vendas – cerca de 70% a 80% do giro de produtos do Bom Retiro é hoje originado no aplicativo. A ferramenta traz economia para a clientela, que está espalhada pelo Brasil. Em um momento em que as tendências mudam rápido, o lojista não pode mais esperar um ou dois meses para viajar para São Paulo e renovar o estoque. Ao comprar remotamente, também economiza os custos da viagem, que podem ser convertidos em mais roupas.

As marcas do Bom Retiro tentam, individualmente, fazer o relacionamento com os clientes no “pinga-pinga”, enviando fotos e vídeos de roupas. O “pulo do gato” da EModa foi concentrar um grande número de clientes nos grupos de WhatsApp. Para o lojista que está em outros Estados, é a chance de ver lançamentos de diversas marcas de uma só vez. Não é incomum que Mari e Vanessa visitem dez lojas em um só dia.

Na manhã que a reportagem passou com elas, fizeram vídeos com vestidos de paetê, moda praia, tiaras de carnaval e roupas “plus size” (neste caso, Vanessa exerce dupla função: vendedora e modelo).

Os vídeos de tom despachado transformaram Vanessa em uma referência em estilo na região. Lojista de Florianópolis, Margarete Pereira Teodósio, que vem a São Paulo fazer compras todos os meses, parou para conversar com a apresentadora do “YouTube” do Bom Retiro, elogiando os posts no Instagram. “Ela é simpática demais”, disse. Rapidamente, Vanessa sacou um cartão de visita e emendou: “Você conhece o serviço de entrega pelo WhatsApp?”

Administrador de quatro marcas baseadas no Bom Retiro – incluindo a Dip, grupo cearense de moda praia, que abriu as portas na última terça-feira -, Lucas Silveira Reis contratou o serviço da EModa para divulgar produtos na véspera da inauguração. No fim da primeira manhã, havia recebido 67 clientes – a maioria citando a cobertura do Bom Retiro ao Vivo. “Não tem jeito. Por mais que o cliente venha até a loja, ele está muito influenciado pelo que já viu pelo WhatsApp”, disse Lucas.

Escala

No mundo dos influenciadores, o estilo “vida real” adotado pelo Bom Retiro ao Vivo pode ser uma vantagem, afirma a diretora geral da agência Isobar no Brasil, Ana Leão. “A intuição é uma ferramenta importante do influenciador de nicho”, diz a executiva, que usa uma plataforma de tecnologia para separar os especialistas em alguma área dos mega influenciadores que passam a vender de tudo. “A vantagem dessa falta de produção é a autenticidade. É um estilo que o cliente percebe como verdadeiro.”

O uso do WhatsApp simplifica a interação com os consumidores, diz a executiva da Isobar. “O Brasil tem um lado de improvisar e saber usar ferramentas. E o WhatsApp veio para revolucionar a maneira do brasileiro se comunicar, até porque vivemos em um país que muita gente tem dificuldade de escrita.” Já a figura da consultora de vendas é uma resposta a outra tendência do varejo: a figura do personal shopper.


Enquanto posta um vídeo atrás do outro, Vanessa planeja a expansão do Bom Retiro ao Vivo, que ganhará filhotes em outros conhecidos centros de confecções e moda em São Paulo – o Brás, região que abriga 6 mil marcas de apelo popular, e o Itaim, com 400 etiquetas de alto padrão. Será um complemento ao trabalho feito no Bom Retiro, que se posiciona em itens de valor intermediário e reúne 2 mil confecções.

Para empreender essa expansão, a EModa vai adicionar mais 40 personal shoppers à sua equipe até o fim do ano – todas trabalham como microempreendedoras individuais (MEIs). E, como o modelo de negócio prevê um crescimento exponencial da distribuição de vídeos, dez novas apresentadoras vão passar a se revezar para apresentar as novidades. Vanessa e Mari, agora, terão de fazer escola. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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