O chão como limite, impedimento e restrição. O fim. Para o diretor, coreógrafo e acrobata francês Yoann Bourgeois, o ato de cair – tão íntimo na infância – faz do desenvolvimento humano um desafio de equilíbrio e, porque não, de oposição. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o artista abre o Festival de Curitiba, nesta quarta, 27, com o espetáculo Aquele que Cai (Celui qui Tombe). Ao ignorar a ideia de queda como fracasso, o francês prefere contemplar no mito de Sísifo para buscar uma perspectiva diversa, ainda que esta possa lhe oferecer certa vertigem.

Criada em 2014, na abertura da Bienal de Dança de Lyon, a montagem foi a primeira produção de influência circense a ser apresentada no tradicional palco da Ópera de Lyon. Em cima de uma plataforma quadrangular, seis bailarinos se olham, estranhos entre si e ao ambiente. Diante de um universo estranho, que gira, Aquele que Cai é a tentativa de Bourgeois de fabular sobre a vida e o desafio da humanidade de viver em coletivo. “A poética que desenvolvo por alguns anos encontra sua base na problemática filosófica do existencialismo”, explica.

Como já dito, o motor que impulsiona as ideias do artista é o mito grego de Sísifo, sujeito condenado pelos deuses a rolar uma grande rocha até o cume de uma montanha, para vê-la, em seguida, despencar em uma maldição eterna. Nessa história, reelaborada por Camus, ao introduzir a filosofia do absurdo, o filósofo expõe, no ato que pune Sísifo, a fuga do vazio, quando o que se deseja é a busca do homem por clareza e sentido, diz o diretor. “Sísifo é realmente a figura mítica desta tendência atemporal, que a filosofia desenvolveu particularmente durante o século 20, após as guerras mundiais. A ausência de um significado, definitivo e soberano, tem levado nossa humanidade a buscar mais localmente, com uma nova coragem, nos ‘picos de desespero’, como diria Schopenhauer, cercados de vazio.”

Enquanto a plataforma gira, as ideias, tão abstratas, não parecem fustigar a qualidade técnica e artística dos bailarinos. Se o sentimento de vazio é coletivo e mundial, o espetáculo busca oferecer, em meio a tanta desesperança, uma solução conjunta que os impeça de cair: segurar uns aos outros. “O significado das situações do espetáculo vêm das técnicas de luta mão-a-mão entre o ambiente em movimento e nossa humanidade”, conta Bourgeois. “O significado então não é dado, é por natureza instável e dinâmico. É esse equilíbrio de forças que estamos procurando tornar perceptível.”

A dedicação do artista em conjugar um intenso trabalho físico como criação coreográfica também é desenvolvido por Bourgeois à frente do Centre Chorégraphique National de Grenoble, um dos dezenove espaços dedicados à pesquisa, criação, formação em dança contemporânea na França, e o primeiro a ter um artistas de circo na direção, ao lado de Rachid Ouramdane. Para o criador de Aquele que Cai, a dança contemporânea encontra no circo uma importante relação que integra a harmonia dos movimentos com energia singular – e espetacular – das acrobacias. “Com o circo descobri que queria me aprofundar no fenômeno físico elementar que passa por nossa humanidade”, diz. “Ao retirar o circo de suas formas arquetípicas, apliquei à plataforma as forças que estão presentes no aparato clássico circense.” Ao conceber então, uma movimentação mutante e sob um chão instável, Bourgeois intui que as aparências tendem a desmoronar – a queda se torna atraente. “Queria tornar visível a fragilidade desta humanidade em luta. Estamos vivendo uma sequência histórica, sem precedentes, de profunda mutação civilizatória.”

Programação

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Entre os destaques do festival está a estreia da diretora francesa Ariane Mnouchkine com As Comadres, sua primeira direção fora do Théatre du Soleil. No elenco está Juliana Carneiro da Cunha, atriz brasileira que entrou na companhia de Ariane em 1990.

Também estreia no Brasil, dentro da mostra, o novo espetáculo de Sergio Blanco, dramaturgo franco-uruguaio que já fez diversas passagens pelo Brasil, com peças como Tebas Land, Kiev, A Ira de Narciso e O Bramido de Düsseldorf. Na lista de artistas brasileiros com atuação internacional, a coreógrafa Lia Rodrigues retorna ao festival, dessa vez com o novo Fúria, que teve estreia mundial em Paris, em parceria com o Centro de Artes Maré, espaço focado em dança contemporânea, no Rio.

Outra brasileira destaque da programação é Gabriella di Laccio, soprano radicada em Londres e que foi nomeada uma das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo pela rede britânica BBC. No festival, ela vai apresentar Do Convento a Sala de Concerto, um projeto que recupera a composição de mulheres ao longo de cinco séculos da música erudita.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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