Tudo começou com Claudia Andujar, que chegou ao Brasil depois de ter a família dizimada pelo nazismo. Em meados dos anos 1970, quando passou a registrar imagens do cotidiano de aldeias na região amazônica, identificou-se com a luta dos Yanomamis por sua sobrevivência como povo. Suíça que se tornaria brasileira e fotógrafa renomada, participou da luta pela demarcação de terras desde a ditadura militar e segue denunciando a violência contra os indígenas. Aos 91 anos, ela expõe 200 fotos de sua autoria ao lado de 80 pinturas de artistas Yanomamis em uma das mais importantes vitrines do mundo: Nova York. A mostra The Yanomami Struggle (A Luta Yanomani, em tradução livre) fica em cartaz até 16 de abril no centro cultural The Shed, em Manhattan. Depois, segue pela América Latina, em mostras no México, Colômbia e Chile.

Foi Claudia quem levou papéis e canetas hidrográficas às aldeias. A partir desse material, artistas foram se formando, como André Taniki, nascido nos anos 1940, que participa da exposição ao lado de Joseca Mokahesi, Orlando Nakiuxima, Poraco Hiko, Vital Warasi, Sheroanawe Hakihiiwe e Ehuana Yaira, uma das poucas mulheres do grupo, além de cineastas como o precursor Morzaniel Iramari, Aida Harika, Edmar Tokorino e Roseane Yariana.

SOBREVIVÊNCIA Fotos e documentos: retratos do cotidiano das aldeias desde os anos 1970 (Crédito:Divulgação)

Voz e visibilidade

O material foi exposto pela primeira vez em 2018, no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, antes do início do governo Bolsonaro. Já passou pela Fundação Cartier, em Paris, e pelo Barbican Centre, em Londres. Ganhou nova montagem após a pandemia, invasões de garimpeiros e conflitos armados ainda mais violentos ao longo de 2021 e 2022. A versão expandida que chega em Nova York “é uma passagem de bastão para a nova geração, que já participa do circuito de exposições e se vê como artista na luta pela sobrevivência de seu povo”, diz o curador Thyago Nogueira, coordenador da área de Fotografia Contemporânea do IMS.

São 50 mil yanomamis em cerca de 400 comunidades, localizadas nos limites do Brasil e da Venezuela. Alguns dos artistas moram em locais isolados da Amazônia, segundo Thyago. “Na exposição, a complexidade e a riqueza dessas populações ganham voz e visibilidade. O Joseca, por exemplo, desenha histórias contadas a ele por xamãs, com indígenas e divindades. A Ehuana desenha mulheres gigantes, a rotina da roça, dos filhos. O Sheroanawe, venezuelano, tem o estilo mais gráfico da pintura corporal, como estampas de onça.”

UNIÃO As árvores de Sheroanawe Hakihiiwe: indígena venezuelano simboliza a luta conjunta dos povos amazônicos (Crédito:Divulgação)

O antropólogo Bruce Albert, co-autor com o xamã e líder ativista Davi Kopenawa nos livros A Queda do Céu e O Espírito da Floresta, explica que a palavra “arte” não existe na língua dos Yanomamis. “O pensamento estético deles girava ao redor de dois conceitos: utupë, que significa ‘imagem’ e se refere à beleza das visões xamânicas, e õno, que significa ‘marca’ e remete, entre outras coisas, aos desenhos corporais dos antepassados.” Se André Taniki foi dos primeiros a desenhar em papel, com canetas hidrográficas, Joseca Mokahesi e Ehuana Yaira, nascidos nos anos 1970 e 1980, partiram de ilustrações inspiradas no material didático do idioma Yanomami usado em escolas da comunidade, explica o antropólogo.

Bruce também destaca a importância de visitas de artistas não-indígenas, como a mexicana Laura Anderson Barbata, nos anos 1990, e a brasileira Adriana Varejão, em 2003. “Para um povo que tem seu modo de viver e pensar ameaçado de extermínio, o aspecto político das imagens como ferramenta de luta é fundamental”, afirma Bruce. Além do reconhecimento da beleza de sua arte e o apoio que os artistas Yanomamis recebem no Brasil e no mundo, o antropólogo destaca “a maior abertura à diversidade cultural na sociedade e a consciência que se impõe à direção das grandes instituições culturais não-indígenas”. É a vez de Nova York conhecer a vida e a arte Yanomami.

MITOS Desenhos de Vital Warasi: histórias, personagens e animais da floresta (Crédito:Divulgação)