O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, disse que vivia um “momento histórico” ao receber das mãos de Paulo Guedes, na última terça-feira, 21, a sugestão do governo para a Reforma Tributária. Apesar de ocupar o centro do palco no Parlamento, o ministro da Economia teve um papel secundário. No episódio, o governo novamente agiu a reboque do Congresso, que, felizmente, se movimenta. O avanço se dá por iniciativa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Ele afirmou que retomaria o debate sobre a Reforma Tributária mesmo que a Comissão Mista criada para unificar as propostas da Câmara e do Senado não se reunisse. Em reação, o presidente do Senado pautou a retomada dos debates. As duas propostas tramitam em fase avançada. Guedes tinha resistido até o momento. Forçado a se movimentar para não ser novamente atropelado, enviou uma proposta que unifica dois tributos federais (PIS e Cofins), criando a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota de 12%, o que implica no aumento da carga tributária.

Xô, CPMF!
“Hoje, damos mais um passo significativo no rumo de fazermos a sonhada reforma tributária” Davi Alcolumbre, presidente do Senado (Crédito: Adriano Machado)

Carga tributária maior

A boa notícia é que a Reforma Tributária, fundamental para aumentar a produtividade da economia e destravar um dos piores sistemas tributários do mundo, entra definitivamente na pauta do Legislativo e do Executivo. Eurico Santi, professor da FGV Direito/SP e um dos fundadores do Centro de Cidadania Fiscal, que embasou a PEC 45 em tramitação na Câmara, destaca que os três grandes projetos no Congresso (da Câmara, do Senado e o de Paulo Guedes) são convergentes e tendem a alinhar o País às práticas internacionais, com a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Mas há vários problemas na sugestão enviada por Guedes. Com a proposta, o setor de serviços será penalizado e os bancos, beneficiados, com uma alíquota menor (5,8%) para a CBS. O agronegócio e as igrejas também serão poupados. “A reforma de Paulo Guedes é puro e simples aumento de carga tributária, para quebrar de vez a classe média. Indefensável. Uma proposta vergonhosa, contraditória com o discurso liberal e distante das necessidades urgentes por uma reforma tributária estruturante”, protestou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz. Para o ex-deputado Luiz Carlos Hauly, autor da PEC 110, em tramitação no Senado, o objetivo do governo foi aumentar a arrecadação. A carga tributária do PIS e Cofins com nova alíquota unificada vai crescer 40%, calcula.

Paulo Guedes defende uma transformação em etapas. Entre os próximos passos, planeja mudar o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). No Imposto de Renda, deseja que a pessoa física perca as deduções de saúde e educação. As pessoas jurídicas terão taxação menor, mas os dividendos, hoje isentos, serão tributados. A pior sugestão do ministro é a recriação da CPMF, o famigerado imposto do cheque, que foi extinto em 2007. A equipe de Guedes estuda se será cobrado por qualquer movimentação financeira ou só em compras com cartão e pelo novo sistema de pagamentos instantâneos planejado pelo Banco Central. O tributo sobre transações digitais, com alíquotas entre 0,2% e 0,4%, teria potencial de arrecadar entre R$ 60 bilhões e R$ 120 bilhões por ano. Mas esse imposto cumulativo sobre transações financeiras é um dos mais prejudiciais para o crescimento. Na América Latina, o único país que o adota em larga escala é a Venezuela. Guedes sempre defendeu a recriação da CPMF com o argumento de que desejava desonerar a folha de pagamento das empresas, que teriam mais estímulos para contratar. Porém, tributaristas apontam que o imposto proposto pelo ministro cobriria apenas 1,5% do que deixaria de ser arrecadado com a desoneração. Com a crise da pandemia, o ministério da Economia mudou o discurso. Passou a defender o novo tributo também para abastecer o Renda Brasil, programa que vai incorporar beneficiários do auxílio emergencial e substituir o Bolsa Família. As chances de a nova CPMF prosperar, apesar do entusiasmo de setores bolsonaristas, é mínima. Rodrigo Maia já declarou várias vezes que o Congresso não vai aprovar a volta desse imposto.

Obsessão com a CPMF

A obsessão em recriar a CPMF foi um dos principais obstáculos para o avanço da reforma nos impostos e sempre foi repelida por Jair Bolsonaro. “Ninguém aguenta mais impostos, temos consciência disso”, disse o presidente na campanha. O ex-secretário Marcos Cintra foi demitido em setembro do ano passado exatamente porque insistia na sua adoção. Agora, o presidente parece reconsiderar o tema. “O que o Paulo Guedes está propondo não é CPMF, é uma tributação digital”, disse. A definição não passa de um eufemismo. Bolsonaro está voltando atrás porque precisa de recursos para financiar o Renda Brasil, que virou a grande aposta para sua reeleição.

Já Maia e Alcolumbre têm pressa. Estão no fim de seus mandatos na presidência das Casas. Pelo regimento e pela Constituição, não podem se reeleger no início de 2021, ainda que Alcolumbre aposte em uma mudança na legislação que permita sua recondução. Por isso, ambos têm interesse em acelerar a reforma, o que é bom para o País. Mas a sua complexidade não garante que caminhará com rapidez, como deseja o relator, deputado Aguinaldo Ribeiro, do PP da Paraíba. Vai depender deles o ritmo da mudança. O ministro Paulo Guedes não conseguiu impor nenhuma grande medida econômica. A Reforma da Previdência foi aprovada em 2019 pela ação decisiva dos presidentes da Câmara e do Senado, e não pela iniciativa governista. A PEC Emergencial e a PEC do Pacto Federativo estão paralisadas e, com a pandemia, devem ser reavaliadas. O marco regulatório do saneamento básico, a nova grande aposta do governo para atrair investimentos, foi aprovado no Congresso em junho, também por iniciativa dos parlamentares. E a Reforma Administrativa, que poderia dar mais racionalidade ao hipertrofiado funcionalismo público, foi abandonada.

Dificilmente a proposta de Guedes encaminhada na última semana vai prosperar sem modificações. Deverá haver uma combinação com os textos em tramitação. O presidente do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Comsefaz), Rafael Fonteles, cobrou uma reforma mais ampla. “Pela primeira vez, os 26 Estados entraram em acordo. Nossa proposta prevê a revisão do pacto federativo”, afirmou. Os secretários desejam que o Congresso priorize as PECs do Congresso, que redesenham e unificam tributos locais. “A Reforma Tributária é uma mudança de paradigma, muda um ambiente que atualmente é propício para afastar o empreendedor”, diz Santi. Porém, essa sempre foi uma discussão difícil por mexer com interesses conflitantes dos entes federativos e de setores que resistem em perder isenções ou ampliar sua cota de sacrifício. Infelizmente, é difícil até para Guedes, que, diante do desequilíbrio fiscal, e da falta de recursos, preferiu desde a campanha eleitoral apostar na recriação da CPMF. Espera-se que esse instrumento anacrônico não anule a reforma do futuro.Xô, CPMF!