AMOR Bobbi e Nick Ercoline, o casal que estampou a capa da trilha sonora ade Woodstock ao lado da borboleta de plástico, ainda estão juntos (detalhe acima). A foto foi tirada por Burk Uzzle, que foi por conta própria ao festival (Crédito:Stefan Radtke)

Bobbi e Nick Ercoline se abraçaram na manhã enlameada de domingo, 17 de agosto de 1969, em uma propriedade rural no município de Bethel, estado de Nova York. A fotografia dos dois passou à posteridade como a do “casal de Woodstock”. A imagem estamparia a trilha sonora oficial do festival, lançada um ano depois do evento, no final de 1970. Bobbi e Nick se surpreenderam quando se viram ilustrando o álbum triplo, mas nem pensaram em cobrar direitos de imagem. Apesar de símbolos involuntários do maior festival da história do rock, não tinham muito a ver com os hippies que invadiram o festival. Bobbi trabalhava em um banco e Nick, em uma construção e como bartender. Casaram-se dois anos depois do festival, e tiveram dois filhos. Até hoje moram juntos em Crawford, cidade próxima do sítio do festival.

 

MULTIDÃO Joe Coker e The Grease Band foram o primeiro show
do terceiro dia. O público superou 400 mil pessoas no auge; mais da metade entrou gratuitamente após o festival sair de controle (Crédito:Elliott Landy)

A história do casal reflete o espírito de Woodstock, festival que ocorreu entre 15 e 18 de agosto de 1969 sob o impacto do “flower power”. Esse poder paralelo surgira em 1967 em San Francisco e ficara conhecido como “verão do amor”. Os hippies pregavam amor e drogas livres, a abolição do Estado e a volta ao jardim da inocência. Quando cresceu a dissidência entre primeiros apologistas hippies, a indústria do entretenimento tomou aos poucos conta do público jovem atraído pelo movimento, promoveu festivais e lançou campanhas sobre a chegada da “Era de Aquário”, na qual reinaria a intuição. Nessa altura, a vanguarda da contracultura agonizava, mas o público consumidor, do qual faziam parte Bobbi e Nick, começava a curtir a ideia. Não havia ideias, apenas shows.

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“Três dias de paz e música”, rezava o slogan daquele que se tornaria o maior de todos os eventos do gênero, Woodstock Music & Art Fair. Os 400 mil jovens que acorreram ao local, a metade sem pagar ingressos, forjou um lema alternativo e mais fiel: “Sexo, drogas & rock’n’roll”. Foram três dias (quase quatro) de um ritual catártico. Todo mundo pirou em meio ao maelstrom de lama, drogas, amor e ruído. Mais que a sonhada revolução, sobreveio a confusão. As cercas da propriedade foram retiradas ainda enquanto chegava o público. O pesadelo logístico foi além: fazia calor e chovia sem parar. As estradas se abarrotaram por causa da lama, muita gente parou o carro no acostamento e rumou a pé os quilômetros finais. Faltava alimento, água potável e banheiros. Os jovens não se importavam: nadavam nos riachos, curtiam e pregavam a paz. ”Woodstock não foi apenas sexo, drogas e rock’n’roll”, disse Richie Havens (1941-2013). “Foi espiritualidade, amor e viver em paz e harmonia.” Além de Havens, estavam entre as atrações da “feira” Janis Joplin, The Who, Joe Cocker e Jimi Hendrix. Apresentações hoje consideradas lendárias desfilaram no palco. Mas muita gente não ouviu nada, não só por causa do som deficiente, mas porque nem sequer prestou atenção. Música era apenas parte da experiência. O que restou de Woodstock, além de discos, livros e documentários, foi um campo de testes de grandes eventos musicais. Para Nelson Motta, além de marcar a revolução jovem, o festival assinalou a vitória do empreendedorismo americano. “Um bando de doidões sem recursos, gravadoras nem patrocínios, conseguiu produzir um mega evento que entrou para a história.”

“O que restou de WoodStock, além discos,livros e  documentários, foi um campo de testes de grandes eventos musicais”

Foi assim que, desde então, os festivais americanos se consolidaram. Para Lúcio Ribeiro, idealizador do Popload Festival no Brasil, Woodstock pode ser visto como o “crepúsculo” de uma geração que se desiludiu com a paz. “Foi o último grande encontro de pessoas em que podiam sonhar que estava tudo certo e o mundo seria melhor”, afirma. A escritora Marina Colasanti também pensa que não foi o fim de uma era: “O festival ficou na nossa memória como ponto final em nossos desejos de liberdade e de total soltura”.

Os organizadores realizaram outras duas edições do Woodstock, uma em 1994 e outra e 1999. Ambas atraíram público, mas foram mal organizadas, tomadas por marcas e oferta de alimentos e bebidas a preços altos. Uma edição comemorativa de 50 anos era planejada, mas esbarrou em burocracia para conseguir permissão do Departamento de Saúde do Estado de Nova York para funcionamento e foi cancelada em 31 de julho O festival que pregou a extinção das regras esbarrou nelas. Para festejar meio século do namoro, Bobbi e Nick devem ficar em casa.