Cheguei atrasada. A exposiçãoFendas, fagulhas” encerrou no sábado, um dia antes do vulcão das Ilhas Canárias entrar em erupção. Quando entrei na Galeria Vermelho, na segunda-feira de manhã, para ver a individual de Carmela Gross antes de sua completa desmontagem, já tinha recebido pelo celular as fotografias da fumaça do Cumbre Vieja, capturadas durante os dias de monitoramento da atividade sísmica e de terremotos na ilha de La Palma. Também já havia visto na 34ª Bienal de São Paulo, a parede com dezenas de monotipias de um vulcão próximo da erupção, na instalação Boca do Inferno (2021), de Carmela Gross.

Boca do Inferno, de Carmena Gross, na 34 Bienal (Crédito:Paula Alzugaray)

Se costumo acompanhar montagens de exposições, por que não uma desmontagem? A exposição não dava sinais de morte, estava ainda em brasa. O vídeo Luz del Fuego II (2018) permanecia aceso, mostrando na tela LCD um slideshow de fotos de conflitos e incêndios publicadas em jornais, extraídas de sua cor e com tratamento gráfico de intensificação da retícula. O texto que acompanha a exposição diz tratarem-se de imagens que ocuparam as páginas dos principais periódicos do mundo desde 2008 – colocando em sequência inclusive os sucessivos incêndios que consumiram instituições culturais e históricas brasileiras nesse período.

Fonte Luminosa, de Carmela Gross (Crédito:Paula Alzugaray)

A sala ao lado ainda emitia faíscas. A instalação Fonte Luminosa (2021) irradiava o vermelho gerado pelo gás incandescente de tubos de neón, reproduzindo o processo de derramamento de matéria dos vulcões, que começava a jorrar em sites noticiosos de todo o mundo. As palavras da artista, plasmadas no texto, iluminavam as relações entre o que está dito na arte e o que está expresso no mundo: “A arte sempre trabalha com uma espécie de superfície e a superfície é sempre o mais fundo; aquilo que é evidente é o mais fundo mesmo. A arte está inteira na superfície. O trabalho tem uma capacidade de se imantar do entorno”.

Cabecas, de Carmela Gross (Crédito:Paula Alzugaray)

No segundo andar da galeria, encontrei cinzas. Assumi os 226 desenhos em nanquim sobre papel que compõem a série das Cabeças (2021) como reminiscências da matéria carbonizada pelas chamas que vem do fundo da terra. Pelo menos 5.000 pessoas afetadas na região das Ilhas Canárias haviam sido evacuadas até este domingo, diz a newsletter que caiu em minha caixa de e-mails, com a imagem do fogo líquido entrando nas casas.

Frame de Luz del Fuego, de Carmela Gross (Crédito:Paula Alzugaray)

Realizo que, mais do que refletir os fenômenos tectónicos, a obra de Carmela Gross exposta na Bienal e na Vermelho se refere aos eventos midiáticos. Aos processos de passagem do tempo na mídia impressa, televisiva e internet; ao fenômeno de carbonização e obsolescência da notícia diária, superada pela bomba do dia seguinte.

Reproduções de fotos do vulcão Cumbre Vieja, em jornal

Folheio o jornal de ontem e deparo com o vermelho da terra indígena yanomami, em Roraima, exposta pelo garimpo ilegal. O lead é a imagem da catástrofe brasileira que aparece no slide show de Carmela Gross: “O governo federal pagou R$ 124 milhões a empresas que fazem uso de helicópteros suspeitos de garantir a logística em garimpos ilegais em terra indígena na Amazônia”.

Reprodução de foto de garimpo, publicada em jornal