Assim como a viagem de Vasco da Gama às Índias, a história da literatura portuguesa também fez escala na África. O último capítulo de sua obra mais importante, “Os Lusíadas”, de Luís de Camões, não foi escrito em Portugal, mas na pequena Ilha de Moçambique, na costa africana. Tombado como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, o local hoje é habitado por apenas 15 mil pessoas. Uma delas é o angolano José Eduardo Agualusa, um dos expoentes da geração de escritores africanos lusófonos que conquistou o mundo – e que também vem sendo descoberta pelo Brasil.

POETA Valter Hugo Mãe: prosa em estilo lírico conquistou leitores brasileiros (Crédito:Aurimages/AFP)

Agualusa foi finalista do Man Booker Prize e venceu o prêmio Dublin Literary International. Ele revela, porém, que até pouco tempo atrás era exigido dos africanos que escrevessem apenas a respeito de temas regionais – “sobre leões”, como diz um de seus personagens – sob pena de serem acusados de terem perdido suas raízes. “Era uma forma de os críticos confirmarem seus próprios preconceitos em relação à África”, afirma o autor, cuja obra já foi traduzida para mais de 30 países. “Na medida em que a literatura africana foi se firmando, isso foi deixando de acontecer.” Apesar do idioma em comum, Agualusa não vê uma conexão entre autores portugueses, brasileiros e africanos. “Mesmo dentro de cada país é difícil encontrar pontos de encontro, há grande diversidade de propostas. No Brasil, a literatura que se pratica em São Paulo é uma, em Salvador é outra. Vejo mais semelhanças entre autores de Angola e da Bahia que entre os baianos e os paulistas.”

Em seu livro mais recente, o excelente “Os Vivos e os Outros”, um festival literário fictício acontece na Ilha de Moçambique. O melhor amigo do protagonista, Daniel, um assumido alter-ego do autor, é inspirado em outro nome bem conhecido dos leitores rasileiros: o moçambicano Mia Couto.

Mia também é crítico da falta de integração entre as diversas literaturas em português e um incômodo desconhecimento entre os mercados. “A literatura em língua portuguesa se constrói sem saber que existe, é praticamente uma figura mítica”, afirma. “Não conhecemos os novos autores brasileiros, e o Brasil também conhece pouco o que se produz em Moçambique.” Assim como Agualusa, ele compartilha os elogios recebidos pela crítica e os prêmios internacionais: já foi agraciado com o Camões e o Neustadt, o “Nobel” americano.

MITO Mia Couto: “a literatura em língua portuguesa se constrói sem saber que existe” (Crédito:FRANCOIS GUILLOT)

Obviamente não é possível generalizar a “literatura africana” como uma coisa homogênea. Assim como no Brasil, suas vertentes são as mais diversas possíveis, das tramas urbanas ao lirismo regional. Algo que une seus autores, porém, é a prosa dramática marcada por um realismo fantástico peculiar, muito influenciado pela natureza e pela oralidade que marcou a origem da literatura no continente. Valter Hugo Mãe, outro angolano de destaque dessa geração, incorpora a esse estilo uma prosa que beira a poesia, estilo que lhe garantiu uma boa leva de admiradores no Brasil. Na apresentação do último livro do escritor, a autobiografia “Contra Mim”, a escritora Nélida Piñon se rasga em elogios: “o autor “oferta-nos uma arte que o projeta para a grandeza literária”.

Mesmo diante dos conhecidos problemas econômicos e políticos da África, Agualusa vê o futuro do continente com otimismo. “Somos muito jovens. Como dizia Camões, ‘a necessidade aguça o engenho’. Há uma grande criatividade e as pessoas são obrigadas a exercê-la para viver”, diz.

A qualidade da literatura de seus autores é a prova de que ele está certo.

A África portuguesa em três livros