O apresentador Anthony Bourdain ficou famoso à frente de um programa que viajava o mundo mostrando a cultura e gastronomia de diversos países. Acostumados ao seu tom bem-humorado e aventureiro, seus admiradores tiveram um choque quando souberam que ele havia tirado a própria vida em 2018, aos 61 anos. Sua trajetória serviu de inspiração para o documentário: “Roadrunner: Um filme sobre Anthony Bourdain”, sucesso de bilheteria nos EUA e ainda sem data para chegar ao Brasil. Desde a sua estréia, o filme tem gerado polêmica ao usar um programa de inteligência artificial para recriar a voz de Bourdain — uma simulação de sua voz lê trechos de um email que ele apenas escreveu, mas nunca chegou a ler em voz alta.

A narração foi criada graças a deepfake, tecnologia usada em vídeos para mostrar celebridades e políticos falando coisas que jamais disseram. O problema aqui, no entanto, é ético. Bourdain nunca autorizou que sua voz fosse usada para esse fim e, por ser uma correspondência pessoal, há quem defenda que a carta deveria ter permanecido na esfera privada. “Minha vida está péssima agora”, diz a narração. “Você é bem-sucedido, eu sou bem-sucedido. E daí fico imaginando: você está feliz?”

“O problema não atinge só os famosos. A tecnologia pode ser usada por criminosos para enganar outras pessoas” Mitsuo Shimabukuro, professor e especialista em inteligência artificial

De acordo com Mitsuo Shimabukuro, especialista em Inteligência Artificial e professor do Mackenzie, o problema está no uso de um bem ou patrimônio de outra pessoa, uma vez que cada voz humana é única. “O problema não atinge só os famosos. A tecnologia pode ser usada por criminosos para enganar outras pessoas. Com a popularização, seus riscos são ainda maiores”, diz Shimbukuro. Imagine atender ao telefone e, do outro lado da linha, está um sequestrador que captou a voz de seu ente querido? Com o avanço digital, será difícil evitar esse tipo de golpe.

Em 2019, um executivo de uma empresa britânica contou de forma anônima ao “The Wall Street Journal”, que havia sofrido uma grande perda financeira quando recebeu uma suposta ligação do CEO da empresa. Os golpistas conseguiram imitar a voz de seu superior e pediram que ele fizesse uma transferência de US$ 243 mil para outra conta — ele obedeceu. Mais tarde, desconfiou do pedido. Qualquer um que tenha publicado um vídeo na internet já corre esse tipo de risco. Há, no entanto, exemplos positivos do uso da deepfake: a empresária americana Kim Kardashian ganhou de presente de aniversário um vídeo emocionante com o áudio e a imagem do falecido pai, o advogado Robert Kardashian, morto em 2003.