Apesar das prioridades do Orçamento terem sido ordenadas pelo governo, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), foi responsabilizado pelo presidente Bolsonaro pela aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022 que estabeleceu o aumento do fundo eleitoral para R$ 5,7 bilhões. Ramos presidiu a sessão quando a medida foi votada, na quinta-feira, 15, embora todos os valores tenham sido estabelecidos pelos bolsonaristas e pelo próprio presidente. A aprovação gerou protestos não só de parlamentares da oposição, como também da opinião pública, sobretudo porque alguns congressistas votaram a favor do projeto e depois o criticaram, “como foi o caso dos filhos do presidente”. Em entrevista à ISTOÉ, Ramos acusa: “a vida de Bolsonaro é marcada por escândalos de corrupção”. Afirma, ainda, que vai analisar os pedidos de impeachment contra o mandatário quando estiver provisoriamente na presidência da Casa, mas antes precisa verificar se eles têm fundamentação jurídica. Para ele, no entanto, “ameaçar as eleições já é um claro crime de responsabilidade.”

Quando o senhor estiver na presidência, pretende analisar os pedidos de impeachment?
Eu vou analisar os pedidos de impedimento de Bolsonaro. Pedi cópia de todos os pedidos que estão na Casa. Quero fazer uma análise jurídica de cada um deles, porque, antes de qualquer coisa, é preciso saber se tem crime de responsabilidade ou não. E crime de responsabilidade exige uma série de motivações: o dolo, o nexo de causalidade. Até porque morreram mais de 545 mil pessoas e esse é um dado alarmante, desesperador. Mas ligar isso ao cometimento de crime de responsabilidade é uma construção jurídica que precisa ser constatada. Quero analisar juridicamente os pedidos que estão lá. Farei isso tão logo receba as cópias do presidente da Câmara. Depois, se houver fundamento jurídico, é necessário analisar as condicionantes políticas e vou decidir sobre isso quando eu estiver no exercício provisório da presidência.

Como o senhor classifica as declarações de Bolsonaro sobre não haver eleições em 2022?
Ameaçar o processo eleitoral é um claro crime de responsabilidade, mas acho que a fala dele é mais uma das suas fanfarronices. Não tem respaldo das Forças Armadas e do setor produtivo nacional como um todo. Não cabe uma solução fora da democracia hoje no mundo. O Brasil viraria pária, comprometeria nosso agronegócio, afetaria as nossas exportações por conta de bloqueios e boicotes econômicos. É mais uma bravata. Mas que precisa ser duramente repelida pelas instituições. Não dá mais para o Senado e para a Câmara assistir ao presidente avançar sobre as instituições. Quando diz que não haverá eleições, ele dá a entender que vai fechar a Câmara dia 1º de fevereiro de 2023. Falta ao poder Legislativo atitudes mais assertivas que estabeleçam um limite ao presidente, que não permitam que ele avance sobre a democracia. Acho até que o Judiciário tem respondido bem isso, mas a resposta do Legislativo ainda é muito tímida.

Mas o que o senhor pretende fazer efetivamente?
Após a leitura cuidadosa e responsável, vou emitir uma opinião assertiva sobre minha posição, se serei a favor ou contra o impeachment de Bolsonaro, inclusive em quais situações ele poderia ser aceito.

Por que Bolsonaro tenta culpá-lo pelo aumento do fundo eleitoral?
Entre todo o povo brasileiro, o presidente só tem respeito pelos seus filhos. Ficou muito mal para os filhos dele terem votado a favor do fundão de R$ 5,7 bilhões. Eu chamei inclusive a atenção do deputado Eduardo Bolsonaro, que tentava se eximir da responsabilidade no final da sessão de quinta-feira quando a LDO foi aprovada com o aumento do fundo eleitoral. Bolsonaro quis livrar os filhos da responsabilidade deles, como já fez em outros momentos. Como fez no caso das rachadinhas do Flávio e como faz na tentativa de compra superfaturada de vacinas. Ele sempre tenta se eximir de culpa e livrar seus filhos das responsabilidades. Depois de muita fanfarronice, vejo agora que o presidente quer dobrar o fundo de R$ 1,8 bilhão para R$ 4 bilhões. A verdade sempre aparece.

Qual sua opinião sobre os parlamentares que criticaram o aumento em público e, depois, votaram a favor?
O ambiente político no Brasil hoje é um convite para esse tipo de demagogia. As pessoas debatem tudo na superfície, se informam por fake news na internet e não aprofundam o conhecimento sobre os temas. O financiamento público de campanha veio em substituição ao financiamento privado, aquele em que as empresas doavam e depois cobravam dos governantes as contrapartidas, o que gerou muita corrupção. Veio o financiamento público e as pessoas não conseguem entender que a democracia tem um preço. Não é que as pessoas não aceitam os R$ 5,7 bilhões de fundo. As pessoas não aceitam nem R$ 10, porque elas rejeitam a idéia de que o dinheiro público seja utilizado para fazer campanha eleitoral. Diante dessa indignação legítima da sociedade, alguns aproveitadores se valem disso para votar a favor e depois se manifestarem publicamente contra. Como, por exemplo, foi o caso dos filhos do presidente.

Há 130 pedidos de impeachment de Bolsonaro parados na Câmara. Há chance de algum deles ser analisado?
Não vejo hipótese de Lira ler um desses pedidos de impeachment por conta de uma relação muito próxima que ele estabeleceu com o governo. Só se o ambiente político degenerar.

O que acha das denúncias reveladas pela CPI da Covid até aqui?
Vamos separar o caos sanitário da corrupção. Não há dúvida de que o presidente é, no mínimo, co-responsável pelo caos sanitário do País. Primeiro, porque ele negou a gravidade da doença quando ainda era possível controlá-la. Segundo, porque ele atrasou a compra das vacinas. Terceiro, por ter negado a efetividade dos imunizantes. Quarto, porque ele nunca usou máscara e não deu bons exemplos. Quinto, porque ele sempre estimulou aglomerações, incentivando a expansão da doença. Que ele é um dos responsáveis pelo agravamento da pandemia é fato incontroverso. O mais grave, porém, é a corrupção que dominou o Ministério da Saúde. A CPI tem sérios indícios de superfaturamento e propinas na compra das vacinas. Como é que alguém tem coragem de desviar recursos públicos quando se trata de vacinas, num país em que já mais contabiliza mais de 545 mil mortos? Roubar com vacinas é um escândalo. Veja a gravidade disso. Que houve tentativa de compra de vacinas superfaturadas isso também já é uma constatação. O que precisa se ver agora é quem são os envolvidos e até onde isso chega. Eu não tenho dúvidas de que, com o grande número de quebras de sigilo, muitas provas serão obtidas. A CPI, que já tem muita coisa em mãos, avançará ainda mais nessa segunda etapa das investigações. Vamos ver até onde chega a responsabilidade de cada um pelos malfeitos.

Como o senhor vê a manutenção de Ricardo Barros na liderança do governo?
Acho que o mais grave não são nem as denúncias que pesam contra ele. O mais grave é Bolsonaro, até hoje, não ter contraditado o deputado Luis Miranda. Ainda pairam acusações contra o líder do governo Ricardo Barros, que não foram desmentidas pelo presidente da República. Até agora ele não negou ter dito que o caso da compra da Covaxin era um rolo do Ricardo Barros e isso é muito grave. O presidente não nega que o líder dele esteja envolvido em corrupção, mas o mantém no posto.

Bolsonaro sempre diz que não há corrupção em seu governo, mas se vê envolto por denúncias.
Corrupção não é fato novo na vida de Bolsonaro. Ele criou uma aura de honesto, mas a vida dele é marcada pelos escândalos de rachadinhas no gabinete dele, no gabinete do filho, dos cheques do Queiroz na conta da esposa. Isso é algo que não o incomoda. De tudo o que ele simbolizava na campanha, a única coisa que sobrou foi essa aura de honestidade. Ele disse que era liberal e o governo dele é tudo, menos liberal. Disse que iria fazer reformas, mas as mudanças na Previdência foram feitas pelo Congresso. Disse que ia combater a velha política e se aliou aos partidos do Centrão. A única coisa que ainda sobrava ao Bolsonaro era essa aura de honesto. Dizia que no governo não tinha escândalo de corrupção. Pronto, agora tem.

Por que Bolsonaro tenta blindar Pazuello?
Os indícios de corrupção são muito consistentes. Obviamente, Bolsonaro precisa proteger Pazuello porque pelos indícios que a CPI tem até aqui, o ex-ministro é o elo que pode fazer o escândalo da roubalheira na compra de vacinas chegar ao gabinete de Bolsonaro no Palácio do Planalto.

Embora seja do Centrão, o senhor se considera um parlamentar de oposição?
Sempre fui muito crítico às posturas antidemocráticas e desrespeitosas de Bolsonaro com as instituições, mas sempre ajudei o governo no encaminhamento das pautas econômicas com as quais eu concordava. Sempre agi de forma colaborativa com o governo, mas deixando claro qual era o meu limite. O meu limite é o da democracia e da preservação do Poder Legislativo. Hoje, eu acho que o presidente ultrapassou esse limite. E se ele ultrapassou esse limite, eu não posso ter mais uma atitude colaborativa com o governo dele. Eu sou um deputado marcado pela moderação, que busca a construção o diálogo, que respeita quem pensa diferente. Sou liberal, mas tenho sensibilidade social. Tenho uma armadura da qual eu não me desvio, baseada na democracia e nos valores republicanos.

Qual é o nível de apoio a Bolsonaro hoje no Congresso?
A relação de Bolsonaro atualmente com o parlamento é absolutamente pragmática. Não é fundada em projetos políticos, na construção de pautas ou em projeto de país. É baseada exclusivamente no oferecimento de emendas aos parlamentares. É esse instrumento que Bolsonaro usa. É o único que ele dispõe, porque Bolsonaro não tem um projeto para o país. Eu queria sentar com o presidente para discutir a Amazônia, o futuro da Zona Franca de Manaus e quais são as ações para a preservação do meio ambiente. Mas ele é incapaz de fazer isso, porque não tem a mínima noção do que seja governar. Sobrou apenas para ele adotar o mecanismo das emendas parlamentares. Por isso, começa a crescer a insatisfação dentro da base aliada. Temos que esperar a volta dos trabalhos presenciais para ter uma noção mais clara do tamanho dessa insatisfação, posto que hoje há uma hiperconcentração de poder no presidente da Câmara e nos líderes partidários.