O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), apresentou um voto de orientação majoritariamente garantista nesta quarta-feira, 10, durante o julgamento de Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados pela elaboração de uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
Ao contrário dos pareceres do relator, Alexandre de Moraes, e de Flávio Dino, o magistrado considerou os oito réus inocentes das acusações de organização criminosa e dano qualificado ao patrimônio público e acolheu uma preliminar das defesas que apontou violação à garantia do contraditório pela disponibilização “tardia e desorganizada” das provas apresentadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) contra seus clientes — o que justificaria a anulação do processo.
O ministro marcou a divergência do colegiado ao afirmar que “ninguém pode ser punido apenas por ser merecedor de pena de acordo com nossas convicções morais” e que não cabe aos magistrados interpretar o espírito das leis, mas aplicá-las às ações dos réus conforme relatadas na denúncia.
Mensalão foi ‘cartão de visitas’
Luiz Fernando Pereira, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Paraná, disse em entrevista à IstoÉ, que Fux nunca figurou entre os magistrados garantistas da corte. Em 2012, nos julgamentos do Mensalão, escândalo de compra de votos no Congresso durante o governo Lula (PT), o ministro indicado por Dilma Rousseff (PT) figurava alinhado ao punitivismo do relator dos processos, Joaquim Barbosa.
Barbosa defendia que o tribunal punisse exemplarmente os envolvidos no esquema de corrupção e suas posições foram majoritariamente seguidas pelo colega. Foi de Fux um dos seis votos que condenaram o ex-ministro José Dirceu (PT), o ex-deputado petista José Genoino, o ex-tesoureiro do partido, Delúbio Soares, o empresário Marcos Valério e outros seis acusados por formação de quadrilha.
Ao apresentar seu voto, afirmou: “Restou incontroverso que três núcleos se uniram com um objetivo comum. Chamo atenção ao projeto deliquencial (…) a unidade finalística para a prática desses crimes é a prova inequívoca da existência da quadrilha“.

Joaquim Barbosa, relator dos processos do Mensalão no STF: posições seguidas por Fux
Nesta quarta, Fux considerou que os oito réus da trama golpista não formaram uma organização criminosa. “Não há qualquer descrição na denúncia de que os réus tenham empregado arma de fogo em qualquer momento. O fato de haver militares entre os denunciados ou pessoas detentoras do direito ao porte de arma de fogo não atrai por si só a incidência da majorante”, justificou.
O magistrado também assinalou, no Mensalão, a competência da corte para julgar réus que não tinham mais a prerrogativa de foro — dispositivo que leva ao crivo do Supremo as ações de acusados que exercem cargo público no contexto da denúncia.
A prerrogativa já teve idas e vindas na forma como é interpretada pelo STF, mas ao apresentar seu voto no inquérito do golpe, Fux defendeu que os réus deveriam ser julgados em primeira instância. “Os réus desse processo, sem nenhuma prerrogativa de foro, perderam os seus cargos muito antes do surgimento do atual entendimento”, disse.
Punitivismo mantido na Lava Jato
Na Lava Jato, força-tarefa do Ministério Público que desvendou um esquema de corrupção iniciado na Petrobras e levou dezenas de políticos à prisão, Fux aderiu outra vez ao punitivismo ao se alinhar ao relator, Teori Zavascki (morto em 2017), no aval às práticas e sentenças da operação, que utilizou massivamente dispositivos como o alongamento das prisões preventivas e as delações premiadas para chegar a novas provas
“Tudo que a Lava Jato fez foi inicialmente referendado pelo TRF [Tribunal Regional Federal], pelo STJ [Superior Tribunal de Justiça] e pelo STF, com raros reparos. Pouco tempo depois, este mesmo Supremo afirmou que tudo foi feito de forma equivocada e anulou a maioria das decisões“, disse Luiz Fernando Pereira à IstoÉ.
Desde que a trama golpista embasou o processo no Supremo, uma mudança de rota foi registrada. Fux virou a principal esperança de Bolsonaro e demais réus por penas mais brandas ao divergir de Moraes quanto às condenações dos invasores do 8 de janeiro de 2023 — as condenações mais longas chegam a 17 anos e 6 meses de reclusão, equiparáveis a um homicídio qualificado — e votar contra a aplicação de medidas cautelares contra o ex-presidente, que incluíram o uso de tornozeleira eletrônica e proibição de usar redes sociais. “Confronta-se com a cláusula pétrea da liberdade de expressão”, escreveu Fux em julho de 2025.