Há muita coisa em jogo na eleição para governador do Estado de São Paulo. Depois de tantas administrações lideradas pelo PSDB, temos dois candidatos de partidos que nunca ocuparam o Palácio dos Bandeirantes. De um lado, Fernando Haddad, do PT. Do outro, Tarcísio de Freitas, do Republicanos.
Haddad é ex-prefeito de São Paulo, ex-ministro da Educação, professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), bacharel em Direito, mestre em Economia e doutor em Filosofia. Tarcísio é engenheiro, militar da reserva e ex-ministro de Infraestrutura de Bolsonaro.
A diferença, no entanto, vai muito além do currículo dos dois.
O voto em Tarcísio é um desrespeito à honra dos grandes paulistas.
É um desrespeito a Mário Covas, de Santos, Franco Montoro, de São Paulo, Prudente de Moraes, de Itu.
É uma afronta a Ayrton Senna, de São Paulo, a João do Pulo, de Pindamonhangaba, a Raí, de Ribeirão Preto.
É uma vergonha para Mário de Andrade, de São Paulo, a Tarsila do Amaral, de Capivari, Plínio Salgado, de São Bento do Sapucaí.
E tantos outros.
Não é sobre a origem: São Paulo recebe todos os brasileiros de braços abertos. Mas temos respeito por quem vem aqui para ajudar a construir a nossa história, que se doa de sangue e alma para transformar nosso Estado no que ele é: o mais importante do Brasil.
Não respeitamos quem vem aqui como aventureiro. Como impostor. Quem vem aqui para enganar o povo paulista, fantoche de líder autoritário que vê o poder escapar pelas mãos, e tenta manter uma ilha de vassalagem em um lugar que consideramos sagrado.
Quem viu o último debate na noite de quinta-feira compreende o que estou falando. Vimos um Haddad preparado, um homem que conhece São Paulo. Cita dados com a naturalidade de quem sabe do que está falando. Conhece os problemas do Estado e as dificuldades para superá-los. Não tem fórmulas, nem “balas de prata”, para usar uma metáfora que os bolsonaristas costumam aplicar literalmente. Ouvir Haddad é ouvir um ser humano: pode-se concordar ou não com sua visão de mundo, mas há o reconhecimento de que ele é alguém que estudou para ter aquelas opiniões. Baseou-se em outras experiências, escolas políticas, dados e levantamentos. E, a partir daí, construiu sua trajetória.
Quem é Tarcísio de Freitas? Não sei. Me parece alguém que caiu de para-quedas. Empatia zero, carisma menor ainda.
Se Tarcísio não fosse um impostor, sua postura no debate seria constrangedora. Me lembrou daquelas crianças que ficam em frente a monumentos históricos declamando textos decorados sem saber o que estão falando, apenas para descolar uns trocados.
Tarcísio vomitou informações levantadas por sua equipe de media training, mas não tinha a menor ideia do que elas significavam. A decoração do estúdio da Globo não permitia vê-las, mas tenho certeza de que seu corpo estava suspenso por cordas: um fantoche. O corpo de Tarcísio é movido pelas mãos sorrateiras do ventríloquo Jair Bolsonaro. Ele só está disputando a eleição paulista porque o presidente lhe conferiu essa tarefa.
Fiquei surpreso com o seu despreparo. Frases feitas, uma atrás da outra. Relevância zero, sinceridade menor ainda. Como ministro, deixou São Paulo em último lugar. Agora, quer vir aqui mandar.
Em relação ao sombrio episódio em que um jovem foi assassinado durante sua visita à favela de Paraisópolis, o candidato chegou a confessar o crime: admitiu que sua equipe mandou o cinegrafista apagar as imagens que poderiam ajudar a elucidar o homicídio.
Vou repetir, porque você pode achar que leu errado.
Um candidato ao governo do Estado de São Paulo confessou, ao vivo, para milhões de pessoas, que sua equipe obrigou um cinegrafista a apagar imagens que poderiam ser usadas na investigação de um assassinato. O homem que quer estar à frente da honrada Polícia Militar do Estado de São Paulo, de longe a melhor e mais competente do Brasil, orientou seus assessores a ocultar informações que seriam essenciais para o trabalho dos policiais. Imagina o que esse caria poderá fazer se ganhar a cadeira do Bandeirantes.
Me incomoda sua total falta de ligação com São Paulo. Ele nunca morou aqui, é nascido no Rio de Janeiro e morou a vida inteira em Brasília. O simples fato de ele ter apresentado um “comprovante de residência” em São José dos Campos é um dos absurdos que temos visto nessas eleições.
Tarcísio é tão paulista como um miliciano carioca de Rio das Pedras. A maneira como ele citava cidades do interior no debate, “Ribeirão Preto” para cá, “Campinas” para lá, apenas demonstrava que ele não tinha a menor ideia dos lugares que estava falando – apenas repetia o que havia estudado na véspera. O pior é que ele tem enganado muita gente.
É hora de os paulistas honrados lembrarem do velho ditado: “Você pode enganar algumas pessoas o tempo todo ou todas as pessoas durante algum tempo. Mas você não pode enganar todas as pessoas o tempo todo.”
É isso: domingo é dia de dizer não ao aventureiro Tarcísio. Em nome de todos os grandes paulistas que fizeram e fazem esse Estado – nascidos aqui ou não. Vamos mandá-lo de volta para um lugar de onde ele nunca deveria ter saído: as sombras obscurantistas do bolsonarismo.