Tema central do discurso bolsonarista, o voto impresso (ou a votação em papel) tem um longo histórico de fraudes no Brasil – inclusive nas eleições realizadas já na Nova República, após a redemocratização. A demora nas apurações, que levavam dias ou semanas para apontar os vencedores, facilitava falcatruas.

Em 1994, numa das ocorrências mais emblemáticas, a disputa no Rio virou palco para a atuação do crime organizado: quadrilhas agiram abertamente, com venda de votos, fraudes em urnas e adulteração de mapas de votação. Os desvios se davam por meio do preenchimento de votos em branco. As cédulas de papel recebiam os nomes ou números dos candidatos que pagavam aos esquemas. Em 1990, Alagoas havia registrado crime semelhante.

Os dois casos estão entre os mais lembrados quando se questiona, sem provas, a lisura da urna eletrônica. Assim têm agido o presidente Jair Bolsonaro, integrantes do governo e aliados. Em 8 de julho, como revelou o Estadão, um emissário do ministro da Defesa, general Braga Netto, levou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um recado. Segundo a mensagem, ou se adota o voto “impresso e auditável”, conforme projeto que tramita na Casa, ou não haverá eleições em 2022.

“A fraude no voto por papel sempre ocorreu, desde a Primeira República, antes de 1930. Não é fenômeno novo. Em 1994, foi uma espécie de gota d’água desse processo todo”, disse o procurador eleitoral daquele ano no Rio, Alcir Molina. “Pedimos a suspensão porque ficou evidente que havia urnas desaparecidas, preenchimentos com adulteração, voto acrescentado. Os mesários colocavam os números que quisessem para determinados candidatos. Votos foram encontrados em rios, em fundos de quintal.”

Para especialistas, a defesa, agora, do voto impresso é “andar para trás”. Defensores da PEC em tramitação na Câmara, porém, alegam que não propõem uma volta ao passado. Dizem que, se a proposta for aprovada, o voto continuará a ser eletrônico. Apenas passará a ser também impresso, para posterior conferência no caso de suspeitas de fraudes.

“Imprimir o voto hoje, mesmo com a urna eletrônica, facilitaria o controle nas zonas de milícia. Vai mandar algum mesário infiltrado para ver se o cara votou ou não votou nele. A urna (eletrônica) pode ser auditada pelos sistemas tradicionais e eletrônicos do TSE. E nunca houve evidência concreta de ter havido fraude. Defender isso é totalmente despropositado”, avaliou Molina.

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Antigamente, o eleitor escrevia o nome ou o número do candidato em uma cédula de papel, que era depositada em uma urna de lona. A contagem era manual, feita por “juntas apuradoras” sob responsabilidade da Justiça Eleitoral. O processo levava dias e até semanas.

Hoje, o voto é feito em urnas eletrônicas, blindadas e sem acesso à internet. De flash cards saem os dados protegidos por codificação para o Tribunal Superior Eleitoral fazer a totalização. A intervenção humana é mínima. Em poucas horas, conhecem-se os vencedores.

‘Esquemas’

Na eleição citada por Alcir Molina, o juiz eleitoral responsável por coordenar a recontagem de votos suspeitos era Luiz Fux, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal. Fux apontou suspeitas de irregularidades e passou a receber ameaças de organizações criminosas. “Havia muitos esquemas circulando nas mesas de apuração. Muitos usavam o esquema de comprar votos da mesa apuradora”, afirmou Molina.

Molina estima que mais de 40% das urnas do Rio tenham sido alvo de suspeitas. Como o Estadão mostrou em maio, o Rio lidera o ranking de inquéritos eleitorais abertos pela Polícia Federal entre 2013 e 2020.

Dois anos depois da eleição de 1994, o País experimentou pela primeira vez a urna eletrônica – como mostrou o Estadão, uma varredura da PF em todas as superintendências do órgão não identificou nenhum caso de fraude até agora envolvendo o modelo usado hoje.

Em 1990, em Alagoas, a eleição teve votos em papel anulados por fraudes. O TRE alagoano detectou irregularidades em 117 urnas de Maceió e de outros municípios. No Estado com histórico de violência política, as fraudes funcionaram de diferentes formas.

Na capital, votos brancos e nulos eram convertidos em válidos. Também houve o chamado “mapismo”, a adulteração de boletins de apuração. Já no interior, urnas chegaram aos locais de votação com cédulas já preenchidas – com caligrafias semelhantes. Houve afastamento de juízes, casos de compra de votos com cestas básicas e de títulos de eleitor falsos.

Seções fraudulentas

As eleições no País registram fraudes desde a Primeira República (1889 a 1930). “Era comum, para governo e oposição, alistar pessoas falecidas, fazer as mesas eleitorais – incumbidas de organizar as seções eleitorais e cantar os votos após o fechamento das urnas – forjar atas de seções fraudulentas”, disse o cientista político e professor da USP Paolo Ricci, organizador do livro As Eleições na Primeira República, em parceria com o TSE. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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