08/11/2024 - 17:39
Os presidentes em exercício costumavam ser os favoritos à reeleição nos Estados Unidos, mas a vitória de Donald Trump confirma que essa tese perdeu força, e que alguns candidatos se beneficiam do voto de protesto, como em outros países.
Republicanos e democratas vão se alternar no controle da Casa Branca pelo quarto mandato consecutivo, um nível de volatilidade que não era visto desde o fim do século XIX.
O voto de protesto acontece não apenas nos Estados Unidos, mas também em outras democracias importantes, e afeta tanto a esquerda quanto a direita.
O Partido Trabalhista britânico derrubou o governo conservador em julho, o ultraliberal Javier Milei venceu na Argentina, e os partidos no poder perderam espaço neste ano em países como Índia, Japão, África do Sul e Coreia do Sul.
Sob a presidência do democrata Joe Biden, o crescimento econômico dos Estados Unidos superou o do mundo desenvolvido, apesar da inflação elevada, e o país não tem tropas em combate, fatores que levaram especialistas a prever uma vitória da candidata Kamala Harris.
A porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, destacou esse fato ao explicar a derrota de Kamala, e citou os efeitos da pandemia de covid-19. “O que vimos há duas noites não foi incomum em comparação com o que observamos nos governos de todo o mundo no cenário global”, disse ontem.
O voto de protesto terá efeitos de longo alcance na política e diplomacia americanas. Trump deve voltar a retirar os Estados Unidos dos compromissos internacionais relacionados com as mudanças climáticas e adotar uma abordagem mais dura com os aliados europeus. Também poderia destruir o legado democrata no atendimento médico.
Trump venceu apesar de não ter alcançado 50% de aprovação em seu mandato de 2017-2021. Já Biden desfrutou do apoio da maioria da população apenas no começo do seu mandato.
A aprovação do democrata foi caindo após a retirada militar caótica do Afeganistão em agosto de 2021, mesmo com a pandemia perdendo força. Os dados econômicos não refletem o pensamento do eleitor, e deve-se levar em conta aspectos mais abstratos, como o carisma dos candidatos.
O especialista da Universidade de Nova York John Kane ressalta que existem hoje menos eleitores fáceis de se convencer do que no século XX, quando os presidentes chegavam a vencer por 10 ou 20 pontos percentuais.
Os eleitores ainda “tendem a pensar que os presidentes deveriam cumprir dois mandatos sempre que as condições econômicas, sociais e internacionais estiverem normais”, disse Kane. Mas os últimos cinco anos não foram considerados normais.
A pandemia e o posterior choque econômico podem ter sido decisivos em 2020. “Os eleitores indecisos podem não conhecer as melhores políticas, se é que existe alguma, para resolver a situação, mas uma coisa de que podem estar certos é de que eles querem que a situação mude”, ressaltou Kane.
O cientista político da Universidade George Washington Todd Belt citou a covid-19 e a inflação, mas também alguns veículos de comunicação partidários. “Muitas coisas no mundo estão fora do controle do presidente, mas ele tem que assumir o crédito, ou a culpa, por todas elas”, destacou.
“Chegamos a uma espécie de aspecto pendular da democracia, porque as pessoas prestam muito mais atenção no que acontece agora, e a paciência delas com o partido no poder diminuiu”, acrescentou John Kane, que acredita que, em tempos estáveis, os presidentes em exercício continuarão sendo os favoritos.
“Mas, se o ‘novo normal’ para a economia americana for um crescimento medíocre, preços altos, etc., os eleitores indecisos podem muito bem continuar tentando a sorte com o outro partido a cada quatro anos”, concluiu o especialista.
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