Voto de Fux pode embasar recursos, mas depende de aderência no STF, dizem juristas

Luiz Fux, ministro do STF
Luiz Fux: ministro do STF divergiu do relator Alexandre de Moraes no julgamento da trama golpista Foto: Rosinei Coutinho/STF

A divergência aberta pelo ministro Luiz Fux quanto à condenação de Jair Bolsonaro (PL) e demais acusados de tentativa de golpe de Estado no STF (Supremo Tribunal Federal) poderá dar margem a recursos das defesas dos réus pela anulação do processo, mas a probabilidade disso ocorrer depende da aderência aos questionamentos do magistrado na Primeira Turma da corte, conforme juristas ouvidos pela IstoÉ.

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Em argumentação que durou mais de 13 horas, Fux deu o primeiro voto para absolver o ex-presidente, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier e os ex-ministros Anderson Torres, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira de todas as cinco acusações feitas pela PGR (Procuradoria-Geral da República), formou maioria pelas condenações do tenente-coronel Mauro Cid e do general Walter Braga Netto por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e votou pela suspensão da ação contra o deputado Alexandre Ramagem (PL).

Fux na base das contestações

Antes de consolidar as divergências, o magistrado defendeu a nulidade do processo por falta de competência Supremo para julgar os réus, que não têm prerrogativa de foro e, portanto, deveriam estar sob o crivo da primeira instância; e cerceamento do direito à defesa devido à disponibilzação “tardia e desorganizada” de 70 terabytes de provas aos advogados do caso.

Fux contestou as provas apresentadas pela PGR, disse que as acusações se basearam em uma “narrativa deficiente” e um documento “de teor desconhecido”, em referência à minuta encontrada pelos policiais federais que, segundo a denúncia, daria base jurídica à ruptura institucional.

Em frases interpretadas como recados à atuação do relator Alexandre de Moraes e do próprio tribunal no inquérito da trama golpista, o ministro afirmou que “não cabe a nenhum juiz assumir papel de inquisidor“. “Ninguém pode ser punido apenas por ser merecedor de pena de acordo com nossas convicções morais”, citou.

Para a advogada criminalista e mestre em direito penal Jacqueline Valles, a tese pode embasar um questionamento da competência do STF para o julgamento, em que caberia avaliação do plenário da corte — um desejo conhecido da defesa de Bolsonaro, que indicou os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques.

“A apresentação de um recurso do tipo depende apenas de uma divergência, e os advogados vão se apegar a esse argumento. Se outros ministros entenderem neste sentido [falta de competência do STF para julgar os réus], poderá haver base para anulação do processo“, disse à IstoÉ.

“Nas provas apresentadas, não se mexe. A questão é quem julgou, então as evidências coletadas seriam levadas para a primeira instância do Distrito Federal [se o recurso for acatado]“, concluiu.

A posição de Fux quanto à violação do contraditório, afirmou a advogada, também tem sustentação. “Pelo princípio da razoabilidade, não houve bom senso jurídico no tempo dado aos advogados para a análise das provas”.

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O Brasil ainda atravessa uma série de anulações de sentenças que colocaram diversos políticos atrás das grades embasadas por investigações da Operação Lava Jato. A lista inclui o presidente Lula (PT), que teve a condenação por corrupção e lavagem de dinheiro anulada pelo ministro Edson Fachin, em março de 2021, pelo entendimento de que a Justiça Federal do Paraná não tinha competência para julgá-lo.

Há juristas de orientação garantista que consideram haver uma reprodução das práticas da força-tarefa no inquérito da trama golpista. Na Lava Jato, porém, houve sentenças proferidas antes do processo transitar em julgado.

“A situação daqueles réus estava em aberto. Se houver condenação pela tentativa de golpe e os recursos se esgotarem, o caso só poderá ser reaberto em caso de novos elementos“, disse à IstoÉ Pierpaolo Bottini, advogado e professor de direito penal da USP (Universidade de São Paulo).

Embargos são alternativa

Sem novas divergências na Primeira Turma, as perspectivas de invalidação se reduzem. “São argumentos relevantes, mas se os próximos ministros não acompanharem Fux e houver maioria de quatro votos pela condenação, [a divergência] não terá efeito nem para sustentar recursos jurídicos“, disse o jurista.

Caso mais um ministro se alinhe a ele, haverá base para embargos infringentes“, concluiu. O recurso, que pode ser apresentado pelas defesas após a sentença, depende de dois votos divergentes do relator, em caso de condenação, configurando placar mínimo de maioria (3 a 2).

Se acatado pelo colegiado, o recurso pode encaminhar o caso a ser julgado pelo plenário da corte, desde que as divergências estejam relacionadas à condenação dos réus, e não a questões secundárias do julgamento.

Os advogados também podem apresentar embargos declaratórios, em que se pede o esclarecimento de eventuais omissões ou contradições nos votos dos magistrados. O recurso pode adiar uma condenação e não depende do placar da votação, mas não tem poder para alterar a sentença.

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Com os votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, o julgamento deve ser concluído na sexta-feira, 12. Desde a abertura do inquérito, a Primeira Turma tem demonstrado alinhamento a Moraes nas condenações dos envolvidos no suposto plano golpista, divergindo apenas quanto à dosimetria das penas. A primeira divergência, no entanto, dá vazão a outras perspectivas.

“Na carreira como advogado, o ministro Zanin utilizou argumentações legais alinhadas ao voto de Fux para defender seus clientes. Causará estranheza se ele esquecer de tudo que fez anteriormente”, disse Valles.