STF forma maioria e mantém condenação de Bolsonaro

Ministra Cármen Lúcia ainda irá se manifestar

Ministro Alexandre de Moraes é relator da ação penal contra Bolsonaro e mais sete pessoas
Ministro Alexandre de Moraes Foto: Rosinei Coutinho/STF

O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria, nesta sexta-feira, 7, para seguir a decisão do relator Alexandre de Moraes e rejeitar o recurso apresentado pela defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mantendo a condenação de 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O ministro Cristiano Zanin acompanhou os magistrados anteriores, incluindo Flávio Dino, e oficializou três votos contra o embargo.

A análise ocorre no plenário virtual da Primeira Turma da Corte e os magistrados têm até o dia 14 de novembro para publicarem seus pareceres. A ministra Cármen Lúcia ainda deve se manifestar.

Em seu voto, Moraes destacou que o recurso apresentado repete as teses apresentadas durante o julgamento do chamado “núcleo crucial” da trama golpista. O ministro ainda considerou que foi “amplamente demonstrado que o embargante desempenhou o papel de líder de uma organização criminosa, o qual foi estruturada para consumar o objetivo de um golpe de Estado e ruptura constitucional, com a sua permanência no poder”.

O magistrado também destacou que não houve “qualquer omissão no cálculo da pena-base” do ex-presidente, pois o seu voto no julgamento detalhou “expressamente a existência das circunstâncias judiciais amplamente desfavoráveis ao réu”.

Ao apresentar o recurso, a defesa de Bolsonaro questionou a pena aplicada e utilizou como argumento o voto apresentado pelo ministro Luiz Fux para alegar inocência do ex-presidente. O magistrado foi o único da Primeira Turma do STF a divergir dos demais cinco integrantes e votar pela absolvição do ex-mandatário.

Um dos principais pontos da defesa é tentar refutar a condenação de Bolsonaro pelos atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro de 2023 — quando apoiadores invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília (DF). Os advogados destacam que os participantes já foram julgados, e alguns condenados, por “dolo direto”. Por isso inviabilizaria a tese de haver um “comando”, que teria sido exercido pelo ex-presidente e aliados.

A defesa também solicitou esclarecimentos sobre os motivos pelos quais os ministros consideraram que dois dos crimes — golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito — não foram combinados, como solicitou a maioria dos réus.

Outros condenados

A Primeira Turma do STF também começou a analisar nesta sexta, no plenário virtual, os primeiros recursos de outros seis réus do núcleo crucial do plano de golpe – Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e da Casa Civil), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor da Abin).

Apenas o tenente-coronel Mauro Cid, que fechou acordo de colaboração premiada, abriu mão de recorrer.

Como relator, Alexandre de Moraes foi o primeiro a apresentar o voto. Ele rejeitou integralmente todos os recursos.

Dino foi o primeiro a acompanhar Moraes nesta sexta-feira, 7. Ele seguiu o relator para rejeitar os recursos de Bolsonaro, Braga Netto, Paulo Sérgio e Alexandre Ramagem. Os votos do ministro sobre os demais réus ainda não foram computados na plataforma virtual do STF.

O ministro Luiz Fux, que deu o único voto a favor do ex-presidente no processo da trama golpista, em setembro, pediu transferência para a Segunda Turma e não vai participar da decisão sobre os recursos.

As defesas entraram no STF com os “embargos de declaração” – modalidade de recurso usada para questionar detalhes da decisão, como omissões, contradições ou erros materiais, mas que, via de regra, não tem o alcance de modificar o mérito do julgamento.

Os advogados ainda têm a opção de impor “embargos infringentes” – estes sim podem pedir a absolvição. Nesse caso, no entanto, os recursos seriam meramente formais. Isso porque, pela jurisprudência do STF, os embargos infringentes só são possíveis se houver divergência de dois votos na turma, o que não ocorreu.

Se os ministros considerarem que os recursos estão sendo usados pelas defesas para atrasar o desfecho do processo, o STF pode determinar o início da execução das penas antes do trânsito em julgado da ação.

Condenação no inquérito da trama golpista

No dia 11 de setembro de 2025, a Primeira Turma do STF, com 4 votos a 1, condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro por participação na articulação da trama golpista.

Antes, a Turma já tinha aprovado por 4 a 1 a condenação do ex-presidente por cinco crimes: tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Para os ministros, há provas robustas sobre a participação de Bolsonaro na articulação do plano de golpe de Estado (entenda mais abaixo).

Votaram à favor da condenação os ministros Alexandre de Moraes, relator do caso, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. O ministro Luiz Fux foi o único que divergiu da pena aplicada ao ex-presidente.

A Corte ainda condenou os ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil e Defesa), Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (GSI) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa). O STF também condenou o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do Planalto e delator no processo, e do ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos e do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que comandou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Bolsonaro.

A Turma ainda impôs uma multa de R$ 30 milhões ao réus pelos danos causados, além da perda do mandato de Ramagem na Câmara dos Deputados e dos direitos políticos de todos os réus condenados pelo prazo de oito anos a partir da decisão colegiada. O colegiado também determinou a perda de cargos públicos dos réus e pediu ao Superior Tribunal Militar a análise da perda de patentes de militares, com exceção de Mauro Cid, pela baixa pena aplicada.

Veja as penas de cada um dos réus

  • Mauro Cid: Pena de 2 anos, além da restituição dos valores e extensão dos benefícios a familiares;
  • Jair Bolsonaro: Pena de 27 anos e 3 meses de prisão, além de 104 dias multa, sendo dois salário-mínimo por dia;
  • Walter Braga Netto: Pena de 26 anos, além 100 dias multa, sendo um salário-mínimo por dia;
  • Anderson Torres: Pena de 24 anos e 100 dias multa, sendo um salário-mínimo por dia;
  • Almir Garnier: Pena de 24 anos e 100 dias multa, sendo um salário-mínimo por dia;
  • Augusto Heleno: Pena de 21 anos e 84 dias multa, sendo um salário-mínimo por dia;
  • Paulo Sérgio Nogueira: Pena de 19 anos e 84 dias multa, sendo um salário-mínimo por dia;
  • Alexandre Ramagem: Pena de 16 anos e 50 dias multa, sendo um salário-mínimo por dia;

Da trama ao tribunal

Na campanha frustrada para se reeleger, em 2022, Bolsonaro reuniu ministros, embaixadores estrangeiros e discursou para descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro, sugerindo ser vítima de uma fraude. Mais de 44 horas após o fechamento das urnas, admitiu a derrota, mas não desmobilizou apoiadores que bloqueavam estradas e acampavam em frente a quartéis do Exército, pedindo intervenção militar.

Conforme as investigações da Polícia Federal, o então presidente e um grupo de aliados — os outros sete integrantes do ‘núcleo 1’, réus no julgamento desta semana — articulavam alternativas para reverter a decisão popular naquele período.

Bolsonaro recebeu e editou documentos que dariam embasamento jurídico à ruptura institucional, se reuniu com os comandantes das Forças Armadas para consultar a anuência das tropas à ideia e teve conhecimento de um plano para executar o presidente Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes antes da troca de governo.

Em 30 de dezembro, às vésperas de concluir o mandato, Bolsonaro viajou para os Estados Unidos, não passou a faixa presidencial ao sucessor e só retornou ao país depois de três meses. Na ausência do político, apoiadores mantiveram os acampamentos em frente a quartéis, amplificaram as manifestações e invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes da República, em Brasília, em tentativa derradeira de mobilizar uma intervenção militar.

Em fevereiro de 2024, a PF deflagrou a Operação Tempus Veritatis, primeira a cumprir mandados relativos ao plano golpista, com base na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Em novembro, foi a vez da Operação Contragolpe, cujas apurações ampliaram o comprometimento do ex-presidente com a trama. As investigações embasaram uma denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), enviada ao STF em fevereiro de 2025.

Em março, Bolsonaro e os demais acusados de idealizarem e planejarem a ruptura tornaram-se réus no tribunal, que os acusou de cinco crimes:

– Organização criminosa armada;– Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;– Golpe de Estado;– Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima;– Deterioração de patrimônio tombado.

Para os advogados do ex-presidente, os episódios descritos na denúncia da PGR são políticos e, quando muito, atos preparatórios que não podem ser punidos criminalmente; por sua vez, os documentos que descreviam o plano de ruptura não têm assinatura ou valor de fato. Bolsonaro admitiu ter discutido “possibilidades” com os chefes das Forças Armadas após perder a eleição, mas disse não ter cogitado usurpar a democracia e repete que não há golpe sem tanques de guerra na rua.

* Com informações do Estadão Conteúdo