A agenda da empresa de limpezas residenciais de Nataly Simões estava lotada em janeiro de 2020. A brasileira, que havia chegado em Lisboa há duas décadas, vivia o sonho de ter o próprio negócio no exterior. O empreendimento criado em 2017, tinha 15 funcionários e faturamento mensal de 18 mil euros quando os efeitos da crise econômica atingiram Portugal em cheio. “Dois meses depois, tudo se complicou. O comércio fechou e os contratos foram cancelados. Fiquei desnorteada”, lembra. Praticamente sem renda, Nataly passou a utilizar as economias para cuidar sozinha dos três filhos. Mas acabou vencida pela crise. Em meio a distúrbios de ansiedade e problemas financeiros, decidiu voltar com a família para Campo Mourão, no interior do Paraná, em novembro do ano passado. Formada em psicologia, a empreendedora busca se reinventar atuando como coach, agora com renda mensal de R$ 2 mil .“É como um recomeço”, diz.

“A crise não me deixou opção. Era voltar ao Brasil ou ficar vulnerável com minha família em Portugal. Mesmo com o País caótico, não tive alternativa” Nataly Simões, psicóloga comportamental (Crédito:Divulgação)

Nataly é uma dos milhares de brasileiros que deixaram o País para tentar vida nova no exterior, mas cujo sonho acabou com a pandemia. Com a crise da Covid na Europa, eles perderam empregos ou seus empreendimentos faliram. Sem renda, estão voltando ao Brasil para se reinventar. Nataly conta que não teve problemas para voltar ao Brasil, já que regressou em um período no qual a fronteira aérea entre os dois países ainda estava aberta, situação distinta da atual. Brasileiros com problemas financeiros — alguns sem moradia e comida — lutam para retornar em voos cada vez mais escassos. O empresário Ricardo Amaral, presidente da Associação dos Brasileiros de Portugal, cobra uma ação do Ministério de Relações Exteriores. “Ernesto Araújo não pode abandonar os brasileiros aqui”, disse. Em nota, o Itamaraty afirmou que dialoga com as autoridades portuguesas para “verificar alternativas que atendam aos brasileiros com dificuldades de retornar”. Há duas semanas, um voo comercial com cerca de 300 brasileiros vindo de Lisboa pousou em Guarulhos. Apesar de ser descrito como humanitário, cada passageiro teve que pagar pelo bilhete aéreo da companhia portuguesa TAP. Para além do contingente que conseguiu regressar, estima-se que 400 brasileiros aguardam uma chance de voltar ao Brasil neste momento.

A crise também atrapalhou os planos da brasiliense Elaine Costa. Especializada no mercado de turismo, ela foi para Portugal no fim de 2017 com o desejo de desbravar o país e, no futuro, abrir a própria empresa no setor. Viajou por dois anos pelo país e decidiu fixar residência no Porto. No fim de 2019, quando começava a projetar voos maiores, foi surpreendida pela pandemia. Com a atividade turística asfixiada, Elaine passou 2020 trabalhando como cuidadora de idosos. “Eu ganhava pouco e não gostava da tarefa. Desenvolvi depressão e tive dificuldades financeiras. Voltei ao Brasil para fugir disso e do inverno europeu”, afirmou. O retorno em dezembro de 2020 aconteceu mesmo diante do cenário desolador que já se desenhava no Brasil, como resultado da atitude negacionista do governo Jair Bolsonaro. “Ainda que a situação aqui esteja complicada, estou perto da minha família e isso é importante”, justifica. Questionada se pensa em voltar para Portugal, ela julga não ser o momento para novas aventuras. “Meu conselho é que as pessoas fiquem quietas onde estão”, afirma

NEGÓCIOS Franco Alvarenga colocou à venda seu restaurante nos EUA e volta ao Brasil em maio (Crédito:MASAO GOTO FILHO / Ag. ISTOÉ)

Dólar nas alturas

Diferente de Nataly e Elaine, o empresário Franco Alvarenga está voltando ao País como parte de sua estratégia comercial. No início do ano passado, ele foi para Miami abrir a Cave Health Food, um restaurante com alimentação saudável. O início promissor dos primeiros meses logo foi substituído por um cenário desolador. “Aqui, para além do turismo, nós tínhamos um público de funcionários de escritórios. Mas aí fechou tudo”, explica. Alvarenga conta que tentou implementar o delivery, mas o faturamento com as entregas não era satisfatório para manter a operação. Além disso, a volatilidade do dólar também foi fundamental para interromper a experiência. “Parte da minha renda vem de negócios no Brasil. Eu estava projetando o dólar a
R$ 4,50, mas ele está em R$ 6. Ficou inviável trabalhar com esse câmbio”.

O empresário está vendendo o restaurante nos EUA e programou o retorno da família para maio. “Tínhamos planejado abrir mais duas lojas em outras regiões dos EUA, mas não deu. Quem sabe no futuro?”, indaga.