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Apalavra “stalking”, ou “perseguição” em português, passou a ser usada com mais frequência a partir de 1981, quando um fã obcecado pela atriz Jodie Foster, em uma das milhares de cartas enviadas a ela, confessou que planejava matar o então presidente americano Ronald Reagan para provar o seu amor. John Hickley atirou seis vezes contra Reagan e, desde então, os perseguidores das celebridades, chamados de “stalkers”, passaram a ganhar mais atenção. Mais de 30 anos depois, o termo pegou também no Brasil, mas agora ressignificado pelo uso intenso da internet. Os perseguidores de hoje são aqueles que monitoram a vida on-line de uma pessoa, visitam suas redes sociais obsessivamente, deixam recados e enviam e-mails e mensagens detalhando a rotina do perseguido. Rodrigo de Pádua, autor do atentado contra a apresentadora Ana Hickmann no sábado 21, em Belo Horizonte, seguia esse perfil antes de ameaçá-la ao vivo, com uma arma em punho. Histórias aterrorizantes de caça na rede podem chegar a extremos, como no caso da última semana, que resultou na morte de Pádua, atingido por dois tiros pelo cunhado da artista. Mas não são só as celebridades que estão em risco. Pelo contrário. Em um mundo conectado, o ambiente virtual possibilita que os “stalkers” procurem também nos anônimos vítimas em potencial, pela facilidade de acessar seus dados e de contatar qualquer pessoa, em qualquer lugar. O perigo, portanto, se estende para além da fama e atinge todos os usuários da rede, que se expõem cada vez mais. Ninguém está a salvo.

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Para a advogada Gisele Truzzi, especialista em direito digital, a exposição excessiva nas redes sociais contribuiu para o aumento do número de “stalkers”. “Quem pratica o ‘cyberstalking’ faz uma espécie de engenharia social nas redes da vítima, verificando detalhes publicados em seu perfil e interagindo a todo momento com suas publicações”, diz. “É importante tomar cuidados para evitar fornecer informações que um possível agressor poderá utilizar contra você”, afirma. Segundo Truzzi, há grandes riscos de a perseguição incidir em ameaça, calúnia, difamação ou injúria. “Também pode acontecer de a pessoa passar a perseguir fisicamente a vítima ou seus familiares, a ponto de atentar contra a sua integridade física.” O promotor Fabrício Patury, coordenador do Núcleo de Combate aos Crimes Cibernéticos do Ministério Público da Bahia, afirma que, com o maior uso dos smartphones, a internet ganhou uma força extraordinária, ao mesmo tempo em que os crimes virtuais começaram a crescer. “Houve uma inclusão digital enorme, mas ela não foi acompanhada de uma educação virtual. As pessoas têm o acesso, mas não tomam os devidos cuidados”, diz.

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Mesmo que o usuário evite a superexposição, acreditando que assim vai se proteger de um assédio, o fato de estar presente na internet já abre uma porta para os riscos, uma vez que, na rede, todas as informações são públicas, segundo Thiago Tavares Nunes de Oliveira, presidente da ONG SaferNet Brasil. Divulgar hábitos, informações sobre locais que costuma frequentar, endereços físicos e de e-mail significa disseminar dados sem saber quem terá acesso a eles, mesmo que a pessoa configure suas publicações (no Facebook, por exemplo) para acesso restrito a amigos. “Mesmo que o usuário seja comedido e pense duas vezes antes de postar, ele continua exposto, porque não temos controle do que compartilhamos. A internet é um espaço público, o conteúdo divulgado estará sempre aberto para desconhecidos”, afirma.

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Mesmo sem uma atividade intensa nas redes sociais, a paulistana Ana*, 29 anos, foi assediada durante um ano e meio por um desconhecido que descobriu seu e-mail na internet. Certo dia, ela recebeu uma mensagem de uma mulher, amiga de uma amiga, dizendo que um homem lhe escreveu, fez uma descrição da vida de Ana e chamou as duas de “noivas”. Estranhando a situação, sem nunca ter ouvido o nome do “stalker” antes, ela acessou um endereço de e-mail antigo, que já não usava. “Foi quando vi mais de 200 mensagens do mesmo homem dizendo uma infinidade de coisas. Ele chamava a outra menina e eu de princesas, nos escrevia como se fôssemos namoradas dele e dizendo que ia fazer sexo com a gente.” Na tentativa de prestar queixa na polícia, ouviu que deveria se sentir lisonjeada, pois o homem seria apenas um fã. Só conseguiu ser ouvida quando procurou a delegacia de crimes digitais. “Comecei a ter mais cuidado, demorou um tempo para eu voltar a usar uma foto minha de perfil no Facebook.”

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Ainda que a internet seja permissiva à perseguição anônima, a maioria dos “stalkers” são conhecidos das vítimas. E os alvos, no geral, são do sexo feminino. “Tal situação se deve ao fator cultural:  por vivermos numa sociedade machista, as mulheres estão mais expostas à invasão de privacidade, assédio e cantadas, e isso faz com que elas se tornem mais vulneráveis aos ‘cyberstalkers’”, afirma Truzzi. Bia*, 27 anos, namorou por um ano um rapaz que se tornou um perseguidor (leia quadro à esquerda).

Em uma situação de “stalking”, a orientação é que a vítima procure uma delegacia para registrar queixa. O problema é que muitas autoridades não estão preparadas para lidar com crimes virtuais. Mesmo as delegacias especializadas enfrentam dificuldades para investigar os perseguidores, já que obter informações sobre IP e criadores de perfis ameaçadores pode demorar. “São cerca de sete a oito meses para que uma rede social nos envie informações do agressor. Pedimos quebra de sigilo para identificar quem criou o perfil e quem teve acesso durante o período”, afirma o delegado Ronaldo Tossunian, da Delegacia de Investigações sobre Crimes Cometidos por Meios Eletrônicos do Departamento Estadual  de Investigações Criminais de São Paulo.

A obsessão pela idolatria sem limites

A história de Ana Hickmann não é uma exceção. Dois dias depois do trágico episódio envolvendo a apresentadora, por exemplo, a cantora Anitta foi vítima de um homem que conseguiu entrar em seu condomínio no Rio de Janeiro e, diante da sua casa, a xingou com frases desconexas. Há muitas histórias de famosos pelo mundo que já foram perseguidos, e até mortos, por pseudo fãs. Mas há uma grande lacuna entre admiração e obsessão. Psicólogos dizem que a adoração à celebridade pode ganhar uma dimensão patológica quando os fãs começam a demonstrar comportamentos e fantasias incontroláveis em relação ao ídolo. É neste momento que eles podem chegar à criminalidade. Seria essa a condição de Rodrigo de Pádua, que acrediva que Ana correspondia a seus sentimentos – doença chamada erotomania, segundo os psiquiatras.

O amor virou terror

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Bia*, 27 anos, namorou durante um ano um rapaz que se tornou um perseguidor após o fim do relacionamento. Durante o namoro, ele já mostrava um comportamento estranho. Desconfiado, eles tinham um acordo de usar o aplicativo “Amigos”, que já vem no iPhone, e permite saber onde cada um está em tempo real. Quando Bia terminou o namoro, o ex passou a persegui-la nas redes sociais. Nas mensagens, alternava palavra de ódio e amor, e ameaçava matá-la caso a encontrasse com outro. Ela o bloqueou de todas as redes sociais e ficou três meses sem sair de casa. Mas o perseguidor não desistiu. Por mais dois anos, continuou enviando mensagens, menos agressivas, porém não menos insistentes.


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