Pessoas vão continuar morrendo de Covid no mundo inteiro.  Mais do que morreram até agora. Mas a vida vai prosseguir como era antes. A segunda, a terceira e a quarta vagas, poderão até ser bem mais devastadoras e mortíferas do que a primeira está sendo, mas como são sequelas, elas não vão chegar até nós embrulhadas no diáfano manto do desconhecido.

Já estamos nos habituando ao som da palavra “Covid” e vamos retirá-la da prateleira do medo. Nossos ouvidos já não sentem suas sílabas como chicotes e nossos olhos já não sentem suas as letras com terror. O passo seguinte vai ser arrumar a palavra numa gaveta mais discreta, num armário menos disponível, junto com as outras palavras más com as quais estamos já acostumados.

Essas palavras também mataram milhares de pessoas, mas como não tiveram a sorte de começar na era dos políticos fracos e das mídias sociais fortes, não ficaram no escaparate da loucura coletiva.

As gripes e outras pestes bíblicas — espanholas, bubónicas ou negras. As doenças que a pobreza não nos deixa esquecer — Cólera, Malária, Dengue, Zica, Chicungunha. Mas também outras, não-biológicas — Inquisição, Holocausto, Revolução cultural, que também assolaram o nosso planeta em séculos anteriores, matando mais gente, mas sem inspirar o medo de forma tão global como agora.

Antes da internet tudo era mais lento (e talvez mais fácil). Havia muito menos notícias e muito mais crónicas. E era muito raro assistir às coisas ao vivo em direto, tudo se passava em diferido, filtrado pelos olhos da ciência, da política ou simplesmente pelo tempo.

O escritor Stendhal falava o seguinte: “O medo não está no perigo, mas sim em nós”, e este Novo Coronavírus é prova quase científica disso mesmo.

Se reparamos bem, desde o início do mês de Março até agora, passou muito pouco tempo. Foram apenas 5 meses. Mas foi nesse tempo que o mundo experimentou o maior medo coletivo de todos os tempos. Foi nesse intervalo que, pela primeira vez na história da humanidade todos os seres humanos estiveram juntos, ao mesmo tempo, na mesma página.

Pela primeira vez desde que há memória, políticos, cientistas e jornalistas; da elite mais alta às pessoas mais simples, todos viveram simultaneamente a mesma vertigem desconhecida.

A cada dia que passa o arvoamento diminui. As notícias serão em menor número e o medo vai desaparecer da televisão. A Covid vai continuar a matar, mas da mesma maneira que matam todas as outras doenças: primeiro os fracos e os pobres, e só depois os outros.