O Brasil vive hoje seu pior momento desde o início da pandemia. Houve um aumento exponencial no número de casos, as mortes não param de aumentar e, como se temia, começam a faltar leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Em média, mais de 1,5 mil brasileiros estão morrendo por dia. Nesse cenário de caos e sem comando nacional, o médico infectologista Jean Gorinchteyn, 52 anos, secretário de Saúde do Estado de São Paulo, tem a missão de coordenar os esforços para tentar minimizar esse mal. Para isso, ele trabalha de um lado para fazer as vacinas chegarem à população o mais rápido possível e, de outro, acolher os doentes que demandam cuidados urgentes da rede de saúde. Com 30 anos de trabalho no Instituto Emilio Ribas e no Hospital Albert Einstein, ele sabe que o momento é extremamente crítico e perigoso. “Temos de ter em mente que uma nova cepa mais infecciosa está circulando”, disse Gorinchteyn à ISTOÉ. “A pandemia pede planejamento, mas, principalmente, celeridade. Precisamos de muito mais vacinas como já precisávamos em novembro e em dezembro. Estamos em março e o Brasil ainda não tem a totalidade das vacinas de que necessitamos.”

O País vive hoje a pior situação desde o início da pandemia. Como chegamos a isso?
Temos que ter em mente dois aspectos: há uma cepa nova circulando, uma cepa muito mais infecciosa e que aumenta a chance de contaminação entre as pessoas. No momento em que essa cepa encontra uma população exposta e que não segue as regras sanitárias, acontece uma conjunção de fatores que traz uma aceleração do número de casos. Houve um aumento exponencial num curto espaço de tempo.

O senhor pode exemplificar?
Para se ter uma ideia, no dia 22 de fevereiro, tínhamos uma ocupação dos leitos de UTI em torno de 66% no estado e 68,8% na Grande São Paulo. Já no dia 5 de março, estava em 79,1% na Grande São Paulo e 77,4% no estado. No último dia 8 de março, o estado foi para 80% e a Grande São Paulo, para 81,2%, numa velocidade espantosa. Dia 22, tínhamos 6410 pacientes seriamente comprometidos e no dia 8 estavamos com 8427 em UTIs. São mais de 120 novas admissões em UTI por dia.

Como o governo paulista está reagindo a essa situação?
Nós liberamos a abertura de 500 novas vagas para assistência Covid-19, sendo 339 vagas de UTI, até o final do mês. Além disso, nos próximos 20 dias, abriremos 11 hospitais de campanha em várias regiões do estado, fazendo com que tenhamos mais 140 leitos de UTI. Estamos criando mais vagas, mas é preciso entender que a velocidade de instalação de leitos para quadros graves é mais lenta e isso causa o impacto que tanto temíamos na ocupação dos hospitais.

Há também uma questão de comportamento. Muita gente não respeita nada. Como enfrentar isso?
Temos visto um comportamento de irresponsabilidade e falta de consciência das pessoas. Algumas estão indo em festas, em baladas e muitas ainda não usam máscaras, se aglomeram. E muitos negam a existência de doenças. É uma tristeza. Na medida em que há uma circulação de vírus com essa magnitude de infecção, afetando indivíduos mais jovens de forma grave, os cuidados deveriam ser redobrados. Está em curso uma nova pandemia, não é mais aquela que vimos no início.

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Dá para chamar a atual situação de terceira onda?
Diria que é a primeira grande onda de um outro vírus. O que ele traz é a capacidade infecciosa maior. Não há nenhum trabalho científico que documente que ele é mais virulento, porém, alguns pacientes podem apresentar rapidamente quadros clínicos mais graves.

Há a questão do menor tempo de incubação, inferior a 14 dias.
Toda vez que nós falamos de carga viral aumentada, estamos reduzindo o tempo de incubação. O período entre a exposição e o início dos sintomas vai ser menor. E há apresentação de sintomas mais graves em pacientes jovens. O jovem tem uma resposta inflamatória que pode ser muito intensa. Não é só a ação do vírus, mas a resposta de defesa do indivíduo frente ao vírus.

Mas percebe-se que a Covid mata principalmente os mais velhos.
O que a gente tem visto é que ela também compromete os jovens, mas é mais grave entre idosos. Por que os idosos morrem mais? Porque eles tem uma reserva funcional menor, já têm doenças de base cardíacas, pulmonares, diabetes e pressão alta. Tudo sso se agrava em decorrência da evolução da doença.

E também existe essa predominância nos homens. Alguma explicação para isso?
A justificativa não é hormonal, é de comportamento e exposição. O jovem e o homem, de forma geral, são menos zelosos do que as mulheres. As mulheres tendem a seguir mais os rituais sanitários. São os homens que acabam levando a doença para suas mulheres, para sua casa, para o ambiente de trabalho. São eles que mais desrespeitam normas e regras sanitárias.

O lockdown é o que nos resta? Qual deve ser a estratégia para enfrentar a pandemia?
O Plano São Paulo usa, hoje, como métrica todas as prerrogativas de saúde e faz uma restrição maior de pessoas, serviços e horários. O lockdown é uma medida ainda mais restritiva, impede as pessoas de circular nas ruas. Estamos estabelecendo alguns momentos de restrição adicionaisà chamada Fase Vermelha. Algumas cidades estão instituindo, além do toque de recolher, uma restrição maior. E se os números continuarem crescendo, teremos, nos próximos dias, de mudar a postura.Se não seguirmos o Plano São Paulo, teremos, inevitavelmente, de progredir para um lockdown. Se for necessário, será feito.

O Ministério da Saúde continua inoperante?
A pandemia pede celeridade. Planejamento, mas celeridade. Precisamos de muito mais vacinas, já precisávamos em novembro, dezembro e continuamos precisando. Estamos em março e o Brasil não tem a totalidade das vacinas necessárias.

A campanha nacional de vacinação segue desordenada?
Sempre pedimos que o Ministério assumisse o protagonismo do controle da pandemia, norteando os estados nas suas condutas, fomentando, habilitando e custeando os leitos de UTI e, ao mesmo tempo, agilizando o processo para que as vacinas sejam disponibilizadas mais rapidamente aos estados. Isso é incumbência do Ministério da Saúde, através do SUS e do Programa Nacional de Imunização. Mas isso não aconteceu.

E a cloroquina, o que pensar desse remédio?
Estamos vivendo hoje uma divisão entre os próprios colegas médicos, que não se respaldam na ciência. Temos visto em várias ocasiões receitas de profissionais que declaram o uso da medicação. Quem usou cloroquina nos seus pacientes lá no início, nas UTIs, e viu que quem usava o medicamento não evoluía melhor que aqueles que não tinham usado. E os que tomaram, crescia o risco de arritmias cardíacas e de morte súbita. Essa é uma análise de vários médicos, que se consolidou em trabalhos científicos.

Agora aposta-se no spray nasal. É mais um equívoco?
Deveríamos ter, neste momento, medidas sócio-educativas, orientar, educar e dar proteção social para as pessoas seguirem as regras sanitárias. Você não fará a população seguir as regras se ela não receber auxílio emergencial, cesta básica, etc. Pode ser que outras tecnologias venham a nos auxiliar, mas agora precisamos de uma assistência social muito maior, mais ampla, de medidas de vigilância, de restrições e, ao mesmo tempo, de vacinação. Temos um problema urgente e não é hora de aventuras.

E a experiência de fechamento radical em Araraquara? Como está funcionando?
Todas as vezes em que se instituem medidas de restrição, mesmo na fase vermelha, há uma repercussão que acaba sendo captada semanas depois. Tanto no número de internações, porque diminui o contágio, quanto nos óbitos. Isso é natural e está acontecendo em Araraquara. É o que devemos fazer para controlar a circulação das pessoas e o próprio vírus.

Outra questão estratégica é a educação. As aulas devem voltar?
Temos a escola para a população mais vulnerável, a que mais precisa, especialmente aquelas crianças que se alimentam na escola, recebem a merenda porque têm dificuldade de acesso à alimentação. Mas, entendo que neste momento não há necessidade de levar o filho para a escola, especialmente se ele pode estudar à distância. Ninguém está falando em fechar escolas, mas não deve haver circulação de pais, alunos e professores. Não é para termos isso neste momento.


E o transporte público e a inevitável aglomeração?
Precisamos dos serviços essenciais. O transporte público está voltado para atender esses serviços, os profissionais da saúde, das farmácias, das padarias, dos supermercados. Essa é a importância do transporte público. Não é hora de usar para lazer ou para visitar o amigo. As pessoas precisam circular menos.

O senhor pode fazer um balanço das primeiras semanas de vacinação no País?
A vacinação está acontecendo graças ao Instituto Butantan. Nove em cada dez vacinas aplicadas no Brasil são do Butantan. Se não fosse essas vacinas, não teríamos imunização no País. Sob a liderança do governador João Doria, as vacinas foram disponibilizadas para o Brasil. Era uma prerrogativa dele, que sempre entendeu que as vacinas deveriam ser colocadas no Sistema Único de Saúde (SUS), de forma isonômica e democrática. Se tivéssemos deixado as 46 milhões de doses da Coronavac em São Paulo, acabaríamos de vacinando os paulistanos até junho. Mas, resolvemos dividir as doses com todo o País de forma humanitária. O fato, porém, é que precisamos de mais vacinas. Estamos negociando com várias empresas, cujos nomes ainda não podemos adiantar. Queremos vacinar toda a população o mais rápido possível.

Temos a experiência de vacinação de 100% da população em Serrana, no interior do estado. O que essa experiência ensina?
Ali é uma situação ideal. É um projeto de estudo que vai avaliar o quanto uma vacinação bloqueia a progressão da transmissão da doença e o impacto nas internações e mortes. Esse é o sonho. Serrana é o sonho para o Brasil. É isso que queríamos e desde agosto temos ido ao Ministério para pedir para comprar vacinas. E as vacinas infelizmente não foram adquiridas da forma e no tempo que precisávamos. Hoje o mundo pede vacinas e nós estamos lá na lanterninha tanto para recebê-las quanto para vacinar.


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