Foi ainda nos idos de 60, às portas do regime militar que, inclemente, vergou o País a um dos mais sombrios períodos de ditadura, com cassação de direitos fundamentais e perseguição a opositores, que o então marechal Humberto de Alencar Castelo Branco se apropriou da expressão “vivandeira” para classificar aqueles civis que recorriam à oficialidade dos quartéis no intuito de buscar conchavos e impor a ordem na base da força. Disse o militar, no alvorecer dos desmandos sob a farda, quanto a essas graúnas oportunistas: “vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias ao Poder Militar”. Soou na época como profecia. Ao mero impulso de alguns afoitos insatisfeitos, a tentação autoritária, sempre à espreita, volta a salpicar aqui e acolá como saída achavascada. As figuras que a insuflam não comungam decerto do espírito progressista, predominante nas nações ditas civilizadas. Ao contrário, regem suas ideias pela supressão das liberdades e dos direitos dos outros, dos demais. Nunca incluído na conta o deles. Parece que vivem a enaltecer o valor de um bom castigo com o cipó aroeira, aquele consagrado na música do cantor ativista Geraldo Vandré, que, como diz o refrão, “um dia volta ao lombo de quem mandou dar”. Vivandeiras da vez surgem aos montes por esses dias. O filho Zero Três, Eduardo Bolsonaro, e o chefão da Secom que controla a verba de comunicação do governo, Fábio Wajngarten, estão na nova revoada e dão mostras recorrentes de suas predileções. Sobrevoam como aves de rapina a cutucar a ainda tenra democracia com vitupérios verborrágicos e evidentes intenções opressoras. Dudu, todos viram, saiu a pregar a reedição de um AI-5, o ato institucional que legitimou arbitrariedades, enquanto Wajngarten tratou de impor abertamente uma espécie de asfixia financeira, a título de retaliação, a veículos tidos como adversários do Estado — pelo mero cumprimento de dizer a verdade — e a insinuar ameaças a empresas que ali anunciassem. Comete equívocos em série no intento de lustrar, sem competência, a imagem oficial. O pelotão bolsonarista almeja selar o destino da mídia independente e calar as vozes que lhe incomodam. Dudu e Wajngarten, cada um ao seu tempo e no seu quadrado, reverberam, está claro, a palavra do chefe. O mito Messias deu a ordem unida. Falou em acabar com jornais como o matutino “Valor”, proibindo a propaganda legal (restaurada pelo Supremo Tribunal), em cassar concessões das Organizações Globo e em cancelar assinaturas do diário “Folha de S.Paulo”. Todos os movimentos, juntos e combinados, com o propósito de intimidação à imprensa, tratada como um antro de patifes, canalhas e porcos. A ofensa virou arma. A campanha suja é reforçada nas redes digitais com fake news. A podridão dos valores diz mais de quem os pratica do que dos insultados. Jair no Planalto flerta com maquinações golpistas, está dia a dia mais evidente. Não parece preocupado em provocar crises institucionais. Alimenta-se delas. Desejaria, ao que induz, ser um monarca distribuindo benesses exclusivamente àqueles veículos subservientes, bajuladores, que em troca dos agrados aplaudem ou escondem suas estripulias (e, por incrível que pareça, há quem se preste ao serviço). Desvela assim os mais recônditos traços de um déspota. É sempre fundamental frisar: a liberdade de expressão e comunicação projeta-se como um pilar da democracia, esteio da dialética e direito de toda uma sociedade, previsto em lei. Dito isso, há de se lembrar que é da natureza do jornalismo cobrar, questionar, criticar e servir de instrumento da população no trabalho de vigilância sistemática dos poderes constituídos. Da mesma maneira, na outra ponta, é dever dos governos — qualquer um, à direita, à esquerda ou ao centro, sem distinções — prestar contas do que faz e responder civilizadamente aos questionamentos por seus atos. Não é isso o que se vê e que ocorre nos tempos atuais, dado o pendor histriônico do senhor Jair Bolsonaro, de seguidores e auxiliares que, por mais de uma vez, ameaçaram ostensivamente essa e as demais correlações de força. Com Legislativo e Judiciário, sobremaneira. O filósofo iluminista, pai da nação americana e um de seus primeiros presidentes, Thomas Jefferson, entendia que a imprensa, tal qual um cão de guarda, deveria sempre ter liberdade de criticar e condenar, desmascarar e antagonizar. Criou por meio de princípios como esse o país que tantos admiram, inclusive o capitão mandatário das paragens de cá. Seria aconselhável e de bom tom que as vivandeiras do bolsonarismo, que exaltam os EUA como uma referência, passassem a se espelhar nesse bom exemplo.


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