Eduardo Pazuello pediu ao STF um habeas corpus para enfrentar a CPI da Pandemia. O ministro Ricardo Lewandowski o concedeu e agora o general, ex-titular da pasta da Saúde, tem o direito de ficar em silêncio caso considere que alguma resposta durante o depoimento vai incriminá-lo. Ele também não poderá ser alvo de reprimendas e ameaças de prisão em flagrante, sob a acusação de prestar falso testemunho. 

É claro que a ironia não passou despercebida. A internet está cheia de piadinhas sobre o militar que foi buscar proteção na lei para não ser “torturado” pela CPI – um benefício que jamais tiveram as centenas de pessoas torturadas de verdade por Brilhante Ustra e outros bandidos da ditadura militar brasileira, todos eles tietados por Jair Bolsonaro. 

Eu também reconheço a ironia. Mas não vou criticar Pazuello por ter feito o que fez, nem o STF por ter-lhe concedido o habeas corpus. Longe de mim reclamar porque o mundo está funcionando exatamente como deveria, com salvaguardas e garantias para aqueles que precisam se haver com o Estado, e não como o calabouço sem regras que foi o Brasil nos piores momentos do regime militar. 

Viva o habeas corpus concedido ao general! 

Uma das medidas incluídas no AI-5, aquela lei autoritária que os fanáticos de Bolsonaro gostariam de reinstituir, foi justamente suspender o recurso ao habeas corpus para cidadãos acusados de cometer crimes políticos. Foram quase dez anos, a partir de 1968, em que esse estado de coisas perdurou. 

Durante esse período, os grandes advogados da época da ditadura, tais como Nilo Batista, George Tavares e Evandro Lins e Silva tiveram de inventar maneiras legais para descobrir onde seus clientes estavam presos, quais acusações pesavam contra eles – ou simplesmente se ainda viviam. 

Tais eram os abusos de poder da ditadura, o regime que Bolsonaro e o ministro da Defesa Braga Netto ainda acham conveniente festejar todos os anos. 

A Advocacia Geral da União não precisou inventar nada para beneficiar Pazuello. Bastou utilizar a lei e contar com uma jurisprudência já consolidada no STF, que em inúmeras ocasiões anteriores permitiu que depoentes ficassem em silêncio em CPIs. 

Vejam como é bom viver numa democracia. Sorte do general. Duvido que André Mendonça, o AGU de estimação de Michele Bolsonaro, estivesse à altura de peitar um tribunal autoritário. 

Não espero nada do presidente Jair Bolsonaro e de sua camarilha. Mas, como já escrevi aqui, acho que os comandantes das Forças Armadas são muito melhores do que o presidente. Creio que eles saberão apreciar o fato de um dos seus, desgarrado nessa terra devastada que é o bolsonarismo, ter podido se fiar nas garantias do Estado de Direito. 

Espero que o habeas corpus do general torne ainda mais visível para as Forças Armadas a fronteira que elas não podem, nunca mais, ultrapassar.