A maior parte dos avanços históricos contra o câncer é anunciada na reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, Asco, o mais importante encontro da especialidade do mundo. Na edição deste ano, realizada em Chicago e encerrada na terça-feira 5, os destaques foram os avanços no tratamento do câncer de mama, o mais comum entre as mulheres na maioria dos países — no Brasil, perde apenas para o tumor de pele não-melanoma. Na raiz dos dois principais trabalhos apresentados sobre o tema está a boa notícia de que muitas das pacientes necessitarão de menos remédio do que o recomendado até agora. Isso significa menor exposição a efeitos colaterais como fadiga e diarreia constante e também economia nos gastos com o tratamento, questão vital para que o custeio das terapias seja viável.

VIDA Judy é a primeira mulher que usou suas células para deter a doença (Crédito:The Washington Post)

A primeira boa novidade atinge cerca de 70% das mulheres com a doença. Elas apresentam o chamado subtipo luminal de tumor, caracterizado pela presença, nas células tumorais, de receptores hormonais femininos (estrógeno e progesterona). Hoje há alguns testes que avaliam as marcas genéticas da doença, informações atualmente determinantes para saber a chance de o tumor se disseminar e que resposta terá aos remédios. Na pesquisa anunciada na semana passada, 10,2 mil pacientes foram submetidas ao exame Oncotype CX, que analisa 21 genes associados ao tumor e indica o grau de risco em notas que vão de zero a 100. No estudo, considerou-se baixo risco até dez, intermediário de 10 a 25 e, acima disso, alto. “Para a maioria das 6,7 mil pacientes que compunham o risco intermediário ficou evidente que a quimioterapia é desnecessária após a cirurgia para retirada do tumor”, explica o médico Mário Alberto da Costa, da Oncoclínica Centro de Tratamento Oncológico, no Rio de Janeiro. O tratamento a base de hormônios é suficiente.

Antes, sabia-se que a quimioterapia não precisava ser usada apenas para pacientes com escore abaixo de dez. “A nova informação refina mais o tratamento pós-operatório”, afirma o oncologista Fernando Maluf, diretor médico associado do Centro Oncológico da BP — Beneficência Portuguesa de São Paulo. Para as pacientes, prescindir da quimioterapia significa não sofrer os efeitos adversos comuns aos remédios, que incluem náuseas, cansaço e perda de cabelo. Entre as mulheres que apresentaram risco entre 21 e 25 e que se encontravam na pré-menopausa, no entanto, a combinação entre a quimio e a terapia hormonal apresentou pequeno benefício.

Avaliação Genética

O achado só foi possível graças ao salto no conhecimento sobre a genética do tumor e sua importância no combate à enfermidade observado na última década. Isso mudou tudo no tratamento do câncer. As informações genéticas extraídas de cada tumor mostraram que não basta apenas avaliar a localização do câncer e o estado clínico do paciente. É preciso considerar as características genéticas expressadas pelas células tumorais e também do paciente como um todo para que o tratamento seja mais eficaz (sabe-se, por exemplo, que uma mesma medicação pode funcionar para um doente e não para outro). É a união das informações que permite atualmente o desenho de terapias específicas. Não é por outra razão que a medicina viu disparar nos últimos anos o lançamento de drogas que atuam sobre subtipos muito próprios revelados por meio dos estudos genéticos.

Experimento pioneiro

O segundo experimento festejado na reunião deste ano também se deve a isso. Ele teve como alvo mulheres portadoras do subtipo HER-2 positivo, caracterizado pela presença de uma alteração genética do tumor que estimula as células doentes a produzir em excesso a proteína HER-2. Essa mutação torna a doença mais agressiva. O recomendado até hoje era que, para evitar a volta do tumor depois da cirurgia, as pacientes recebessem quimioterapia e uma das medicações que bloqueiam especificamente a atuação da proteína. No caso da pesquisa, o remédio usado foi o transtuzumabe. Os cientistas avaliaram a reação ao uso do medicamento durante seis e doze meses. A resposta demonstrou que a evolução e sobrevida entre os dois grupos é praticamente a mesma. “Além de poupar a mulher de efeitos colaterais causados pelo remédio, a informação resultará em uma economia enorme no tratamento”, diz o oncologista Sergio Simon, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. Um dos riscos mais preocupantes decorrentes da utilização da droga é o dano cardíaco que pode provocar.

Gabriel Reis

“As novas informações poupam as mulheres de efeitos colaterais e reduzem o custo dos tratamentos” Sergio Simon, oncologista

Outro experimento inovador também mexeu com a comunidade médica na mesma semana do encontro da Sociedade Americana de Oncologia e trouxe ainda mais esperança de novos recursos contra a doença. Em um artigo publicado na revista científica Nature Medicine — uma das mais respeitadas do mundo —, pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos descreveram de que maneira conseguiram deixar livre do câncer de mama, pela primeira vez, uma paciente submetida a uma estratégia que usa as próprias células de defesa do doente como arma.

O caminho já foi usado, também com sucesso, para bloquear tumor de pele e de pulmão. A paciente é a engenheira americana Judy Perkins, 49 anos, moradora da Flórida. Seu prognóstico era de três meses de vida depois que o tumor originado em sua mama direita se espalhou para outras partes do corpo (metástase) e não respondia aos tratamentos. Os médicos a selecionaram para o estudo e, após dois anos, constataram que a doença havia sido contida.

Primeiro, os pesquisadores extraíram de seu organismo células do sistema de defesa capazes de localizar e matar o tumor. Depois, as multiplicaram em laboratório. Em seguida, o conteúdo foi injetado em Judy. Todas as lesões metastáticas desapareceram. “Foi uma resposta notável”, declarou o coordenador do trabalho, o médico americano Steven Rosenberg. Há um longo caminho antes de o recurso tornar-se disponível. Depois de terem a boa notícia com Judy, os médicos precisam, antes de tudo, saber se ela será replicada em mais pacientes. Eles estão confiantes que sim.

Opção para melanoma

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Novidades importantes foram apresentadas também contra o melanoma, o tipo mais agressivo de tumor de pele. Entre elas estão os resultados animadores do uso combinado de duas medicações (encorafenibe e binimetinibe) em casos nos quais o tumor se espalhou ou apresenta mutação no gene BRAF, algo que corresponde a metade dos casos, e não pode ser completamente retirado por cirurgia. A estratégia dobrou o tempo de sobrevida em comparação à utilização de apenas um dos remédios indicado para a doença (vemurafenibe). Além disso, houve melhora na qualidade de vida. “O tratamento é bem tolerado. Não observamos febre ou fotossensibilidade, por exemplo”, disse à ISTOÉ Reinhard Dummer (foto), da Universidade de Zurique, principal autor do estudo que forneceu a conclusão.

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