Mesmo com os problemas característicos das favelas brasileiras, como o alto índice demográfico e dificuldade de acesso aos equipamentos de saúde, Paraisópolis está conseguindo amenizar o quadro de vulnerabilidade no enfrentamento da pandemia. A taxa de mortalidade por 100 mil habitantes foi de 21,7 até o dia 18 de maio. Já a Vila Andrade, distrito onde se localiza a comunidade, registrava 30,6 mortes, enquanto a média municipal foi de 56,2. Isso significa que a comunidade alcançou um controle mais efetivo da doença que a própria capital paulista.

Os dados fazem parte de um estudo do Instituto Pólis que relaciona as ações comunitárias com a taxa de mortalidade por covid-19. Ele engloba informações das Secretarias de Saúde municipal e estadual de São Paulo, assim como índices socioeconômicos de IBGE, Metrô, Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), DataSus, Rede Nossa SP e Mapa Digital da Cidade de São Paulo (GeoSampa).

Os dados são do dia 18 de maio, a última data com informações detalhadas sobre os óbitos, como o CEP da vítima, por exemplo. A partir daí, o Ministério da Saúde diminuiu o detalhamento dos dados. Atualmente, a Prefeitura de São Paulo divulga informações por distrito, o que permite afirmar, de acordo com os pesquisadores, que a evolução de casos na Vila Andrade não sofreu grandes alterações no último mês.

A taxa de mortalidade em Paraisópolis também é inferior à de outros distritos vulneráveis como Pari (127), Brás (105,9), Brasilândia (78) e Sapopemba (72). Os índices de uma das maiores favelas da cidade são melhores também em relação aos idosos, um dos grupos de risco da covid-19. Na Vila Andrade, a taxa de óbitos acima de 60 anos é de 219,7. Em Paraisópolis, 200,6. Esses dados surpreenderam os pesquisadores. “As condições de precariedade implicam maior possibilidade de contágio. São domicílios pequenos, que dificultam o isolamento social se houver infectados, e até relatos de falta de água. Essas condições favoreceriam maior contágio”, diz a arquiteta e urbanista Danielle Klintowitz, coordenadora geral do Instituto Pólis.

As ações na favela. Os pesquisadores apontam que o “pulo do gato” de Paraisópolis é a organização comunitária e a realização de ações em parceria com organizações da sociedade civil para conter a difusão da pandemia na favela que conta com mais de 70 mil habitantes.

Desde a confirmação dos primeiros casos em São Paulo, em março, a associação de moradores vem desenvolvendo 12 iniciativas. A principal foi a criação dos “presidentes de rua”, voluntários que monitoram famílias e encaminham possíveis contaminados, arrecadam e distribuem marmitas e cestas básicas e combatem fake news. São 652 presidentes que cuidam de 50 casas cada um. A iniciativa chegou a ser noticiada pelo jornal americano Washington Post no início do mês. “Nós criamos uma grande rede de solidariedade em que um morador ajuda o outro. O impacto disso é um menor número de casos e mortes”, diz Gilson Rodrigues, líder comunitário e presidente da União de Moradores e Comerciantes de Paraisópolis.

A comunidade também contratou ambulâncias, médicos e enfermeiros e capacitou 240 moradores como socorristas para apoiar as 60 bases de emergência criadas com a presença de bombeiros civis. Duas escolas públicas, cedidas pelo governo estadual após pedido dos moradores, garantem o isolamento de pessoas infectadas. A confeiteira Maria Jessica Fernandes foi uma das primeiras a se isolar numa das escolas. Depois que sua avó, Zita Pereira Silva, morreu de covid-19, ela ficou com receio de contaminar o restante da família. “Fiquei 15 dias e mais ninguém se contaminou em casa.”

A coordenadora da pesquisa destaca o valor das ações comunitárias. “A comunidade está fazendo o que o Estado não faz. O governo e a prefeitura não fazem uma política de testagem e triagem da população. Por outro lado, uma política de enfrentamento da pandemia não pode ser homogênea. Ela tem de olhar cada território de maneira específica”, diz a pesquisadora, lembrando que o distrito de Vila Andrade engloba o bairro do Morumbi, de classe alta, e favelas menores. Procurada, a Secretaria de Saúde informou que não conseguiria se pronunciar ontem.

No mês passado, moradores de Paraisópolis realizaram uma manifestação pedindo mais apoio do governo estadual. Organizados pelo grupo G10 das Favelas, associação que reúne mais de 300 favelas do País, cerca de 500 moradores caminharam da comunidade até as proximidades do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual. Os manifestantes não conseguiram se reunir com o governador João Doria (PSDB), como esperavam inicialmente.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.