Presidency/JHONN ZERPA / AFP

Poucas imagens foram tão simbólicas do horror pelo qual passa a Venezuela como a registrada na foto à esquerda. Um tanque de guerra do exército comandado pelo ditador Nicolas Maduro investindo contra um aglomerado de pessoas, passando sobre uma delas como se pessoa não fosse, resumiu a violenta repressão à qual o povo venezuelano está submetido. A cena aconteceu no início da tarde da terça-feira 30. Ao amanhecer daquele dia, parecia que a Venezuela finalmente se livraria do jugo de Maduro e reencontraria o caminho da liberdade política e do progresso econômico. O líder oposicionista Juan Guaidó, auto-proclamado presidente do país vizinho, tinha chamado a população para ir às ruas, anunciando que havia conseguido o apoio de parte significativa das Forças Armadas. Até o final daquele dia, disse Maduro, o ditador estaria deposto. No entanto, nem o suporte dos militares nem a adesão do povo foram tão grandes quanto esperava Guaidó. A insurreição fracassou em seu objetivo primeiro, o de obrigar a saída de Maduro do poder naquele momento.

RECUO O oposicionista Guaidó arriscou o tudo ou nada. Foi mal informado sobre o tamanho do apoio que tinha e agora revê a estratégia (Crédito:FEDERICO PARRA)

Guaidó está à frente de uma liga de resistência à ditadura e desde que se auto-declarou presidente venezuelano, em janeiro, foi assim reconhecido por 53 países, entre eles Brasil e Estados Unidos. Em fevereiro, desafiou Maduro conclamando nações aliadas a ajudar na abertura das fronteiras da Venezuela com o Brasil e Colômbia para a entrada de ajuda humanitária. Não teve sucesso. Nesta semana, cometeu um erro básico: fiou-se plenamente em informações que lhe asseguravam a sustentação total dos chefes militares em seu propósito. Na verdade, teve a adesão de somente parte do setor militar. Os representantes do Estado-Maior venezuelano permaneceram ao lado de Maduro, assim como as milícias civis. Na medição de forças do dia que seria decisivo, ganharam as armas do ditador.

TROCA Uma parcela dos militares saiu em defesa dos apoiadores de Guaidó. Mas foram poucos diante dos que ainda estão com o ditador (Crédito:FEDERICO PARRA)

O mundo se mobiliza para que a situação venezuelana se resolva o mais rapidamente possível. Espera-se  que a troca de poder ocorra por meio do diálogo

Apesar do arrefecimento nos ânimos dos oposicionistas, é consenso que o regime de Maduro não deve perdurar por muito mais. A Venezuela, dona da maior reserva de petróleo do mundo e décadas atrás um dos países mais prósperos da América Latina, hoje é uma nação em trapos. O país encontra-se em um situação social e financeira dramática, resultado de 16 anos de chavismo. E, agora, vive à beira de uma guerra civil. É um cenário insustentável.

Rússia X Estados Unidos

No xadrez geopolítico da região, a Venezuela é peça chave tanto para o bloco liderado pela Rússia e China quanto para os Estados Unidos e seus aliados, entre eles o Brasil. Desde a ascensão de Hugo Chávez, em 1999, o país ficou sob a influência da Rússia, formando, junto com Cuba, dois pilares da presença russa nas Américas. Quando o ex-ditador morreu, em 2013, deixou o poder ao afilhado Maduro, que continuou alinhado à potência europeia. Para os EUA de Donald Trump, portanto, é intolerável manter no continente outro país sob o controle da Rússia de Vladimir Putin. O resultado é que o país vizinho tornou-se mais um ponto de tensão entre os dois países.

Ao longo da semana, as duas naçoes subiram o tom da retórica em relação à situação venezuelana. Da Europa, Putin avisou que haveria “consequências drásticas” caso os EUA insistissem em ações mais sérias, como uma intervenção militar. De Washington, Trump respondeu por meio do assessor de Segurança Nacional, John Bolton, que a Venezuela fica na América. Ou seja, é parte de seu quintal.

Os EUA têm no Brasil seu principal aliado para a derrubada de Maduro. Com ascendência sobre o grupo de Lima – a aliança formada por chanceleres de 14 países americanos com o objetivo de discutir soluções para a crise venezuelana —, o País oficialmente defende o fim do regime de Maduro por meio de uma saída negociada, sem uso de força. “Não vamos intervir militarmente”, afirmou o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno. “É um preceito constitucional que o Brasil manterá, o de não interferir em assuntos internos.”

Na verdade, as cartas para a derrubada de Maduro já estão jogadas. O que não se sabe é quando o jogo terminará. Guaidó prometeu não desocupar as ruas enquanto não tirar o ditador do poder. “A maioria do povo pede mudanças. Vamos resistir”, anunciou em um dos protestos desta semana. Na terça-feira 30, o oposicionista contou com a apoio de um de seus principais aliados, seu padrinho político Leopoldo López. O ex-parlamentar havia deixado a prisão domiciliar à qual foi condenado pelo regime de Maduro e participou das manifestações junto com o auto-proclamado presidente. Em seguida, pediu abrigo na embaixada da Espanha. Na quinta-feira 2, a Justiça venezuelana determinou sua prisão.

Do outro lado, o ditador venezuelano comemorou o fracasso do levante de Guaidó. Porém, sabe que teve uma vitória de Pirro. Diante da multidão reunida na manifestação em seu apoio, na tarde do primeiro de maio, abusou da retórica vazia. No dia seguinte, posou ao lado de militares, em um típico gesto de quem sabe que está por um fio mas prefere jogar para plateia. Enquanto isto, a Venezuela continua a sangrar. Os enfrentamentos desta semana entre apoiadores de Maduro e de Guaidó deixaram quatro mortos e mais de cem feridos. Juntam-se à imensa lista das tragédias individuais que compõem o flagelo venezuelano.