IMPÉRIO Auge das grifes italianas: dos ateliês familiares às grandes corporações (Crédito:Courtesy of Metro Goldwyn Mayer Pictures)

Juro em nome do pai, do filho e da Casa Gucci.” Sacrilégio ou não, a inusitada mistura de cristianismo e estilo não estava no roteiro: foi resultado de um improviso feito por Lady Gaga no calor da cena. De forma consciente ou não, no entanto, a atriz, que interpreta Patrizia Reggiani, teve a sensibilidade para resumir com perfeição o respeito quase religioso que os italianos atribuem a sua mais tradicional grife. Moda, para os italianos, tem algo de sagrado — ou de profano, como é o caso aqui.

Dirigido por Ridley Scott, “Casa Gucci” foi baseado no livro homônimo da americana Sara Gay Forden. A jornalista cobriu durante quinze anos a explosão do mercado “fashion” na Itália, período em que marcas como Bulgari, Prada, Armani, Versace, Ferragamo e Gucci deixaram de ser ateliês familiares para se tornarem grandes corporações bilionárias. Em Milão, foi atraída pela história da Gucci, uma saga de “glamour, ganância, loucura e morte”, como diz o subtítulo de sua obra.

CLICHÊ Al Pacino como Aldo Gucci: sombra de quem já foi Michael Corleone (Crédito:Divulgação)

Assim como o livro, o filme tem como personagens principais Patrizia e seu ex-marido, Maurizio Gucci. O casal estava separado e ele havia se mudado para o palácio Corso Venezia, a uma quadra de distância de seu luxuoso escritório na via Palermo, em Milão. O empresário não tinha mais relação com a Gucci. Foi o último remanescente da família à frente da marca, antes de ela ser vendida a investidores do Oriente Médio, dois anos antes. Sua rotina disciplinada — chegar todos os dias para trabalhar, às 8h — foi sua ruína: na manhã de 27 de março de 1995, o empresário foi morto com quatro tiros na escadaria de mármore do prédio.

Do ponto de vista estilístico, “Casa Gucci” é um típico filme de máfia — mas sem sangue. Estão ali as intrigas familiares, as traições e o vale-tudo no mundo dos negócios. A direção de Ridley Scott é sóbria, sem exageros, o que seria uma abordagem fácil em um universo tão hiperbólico como o da moda. A atuação de Lady Gaga dividiu críticos ao redor do mundo, mas é impossível não admitir: ela é uma atriz carismática e magnética. Rouba a cena toda vez que está diante das câmeras — o que traz equilíbrio ao filme, uma vez que a maioria delas ocorre ao lado de Adam Driver, também ótimo no papel do caladão Maurizio Gucci. O ator, aliás, que já interpretou desde um vilão em “Guerra nas Estrelas” ao urbanóide neurótico de “Histórias de um Casamento”, revela-se o mais versátil de sua geração.

DINASTIA Adam Driver como Maurizio Gucci: último membro da família à frente da lendária marca italiana (Crédito:Courtesy of Metro Goldwyn Mayer Pictures Inc.)

Em um filme com essa natureza, cuja história todo mundo sabe o final, o desempenho do elenco passa a ser essencial. É o que acontece aqui: Gaga e Driver brilham, mas o que torna o filme mais interessante é o apoio estelar. Al Pacino perdeu um pouco do charme da época em que era “Michael Corleone”, mas não faz feio no papel de Aldo Gucci, tio de Maurizio e Capo di Tutti Capi da marca. Jared Leto, acima do peso e irreconhecível, está excelente no papel do fracassado Paolo, filho de Aldo. Salma Hayek foi uma escolha perfeita para o papel da cartomante e trambiqueira Pina; Jeremy Irons, com aquele jeitão elegante e arrogante, parece ter nascido para interpretar Rodolfo Gucci. O filme apenas confirma que a história do clã foi manchada pela morte de Maurizio, mas a marca nunca sofreu com isso. Suas bolsas icônicas e sapatos caríssimos ainda são objetos de desejo em todo o mundo — símbolos tão italianos quanto a pizza e a máfia.