Julio Pacheco Yepes espera que seu depoimento de sexta-feira (14), quando se tornará a primeira vítima a testemunhar diante de um juiz espanhol em um caso aberto por tortura durante a ditadura franquista (1939-1975), sirva para abrir “uma brecha no muro da impunidade” vigente em Espanha.

O depoimento “pode abrir uma brecha no muro de impunidade que as vítimas da ditadura sofreram durante tanto tempo”, disse à AFP este aposentado de 67 anos, na sala de sua casa, em um bairro popular do sudeste de Madri.

“É um marco importante. Levem em conta que já se passaram (quase) 50 anos desde que tudo isso aconteceu. Até agora ninguém, nenhum juiz, admitiu uma denúncia, nem uma declaração em tribunal, e esta é a primeira”, celebra.

Seu depoimento na manhã de sexta-feira em um tribunal de Madri estabelecerá um antes e um depois: as cerca de 100 denúncias por crimes cometidos durante a ditadura que os tribunais espanhóis já receberam sequer foram admitidas, lembram organizações de vítimas.

Segundo elas, os tribunais rejeitaram-nas, alegando que a Lei de Anistia, aprovada em outubro de 1977, durante a transição para a democracia, decretou a impossibilidade de processar crimes cometidos por opositores políticos, mas também “pelos funcionários e agentes da ordem pública”.

Desta vez, a juíza Ana María Iguácel admitiu a denúncia, ao constatar “a possível existência” de “crimes de lesa-humanidade e torturas”, segundo os autos de maio, aos quais a AFP teve acesso.

– Um “pacto de silêncio” –

As vítimas sempre defenderam que a tortura, como crime contra a humanidade, não prescreve, como estabelece a jurisprudência internacional.

Na Espanha, “o que se impôs foi esse pacto de silêncio, e foram necessários muitos anos” para quebrá-lo, afirma a esposa de Pacheco Yepes, Rosa María García Alcón, presidente da associação de vítimas La Comuna e que tentou apresentar uma denúncia em 2018, sem sucesso, contra um dos policiais que a torturaram em 1975.

A mulher, de 66 anos, também testemunhará nesta sexta-feira, pois, no âmbito das torturas a seu então namorado – marido há mais de 45 anos – mostravam-lhe como a torturaram, relata García Alcón.

Ambos foram presos em agosto de 1975 por serem membros de uma organização estudantil universitária pertencente à Frente Revolucionária Antifascista e Patriótica (FRAP), que lutava contra a ditadura.

Foram levados para a temida Direção Geral de Segurança, na ‘Puerta del Sol’ de Madri, onde foram torturados durante dias por vários agentes policiais, até serem levados para prisões separadas, acusados de terrorismo.

Um mês depois da morte do ditador Francisco Franco, em dezembro de 1975, foram libertados sob fiança. Meses depois, foram perdoados.

Pacheco Yepes entrou com uma ação contra seus quatro torturadores, entre eles, segundo a denúncia, José Manuel Villarejo, uma obscura figura envolvida em inúmeros escândalos relacionados com a elite econômica e política. Em junho, foi condenado a 19 anos de prisão por espionagem, em um primeiro julgamento.

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