Acabaram as brincadeiras em praças públicas, em parques de diversão ou mesmo em quadras de esportes. Devido à Covid-19, o lazer infantil ao ar livre foi bloqueado. Essa e outras mudanças comportamentais impostas de 2019 pra cá, trouxeram diversos problemas de saúde às pessoas, mas o confinamento de crianças dentro de casa e, consequentemente, a diminuição da exposição dos pequenos à luz solar, fez explodir uma debilidade de difícil percepção: a miopia nas crianças. Foi o que observou um estudo internacional em que participaram diferentes universidades da China, Canadá e de países da América Latina que recentemente foi divulgado pela revista científica The Lancet. Segundo a pesquisa, crianças e jovens de 5 a 18 anos apresentaram um aumento médio na miopia de 40% entre 2019 e 2020.

A doença pode ser caracterizada pela dificuldade em enxergar objetos de longe, ver em ambientes escuros ou mesmo de efetuar uma leitura de forma satisfatória. E quando falamos em crianças, a miopia é mais difícil de ser percebida porque os pequenos, de 5 a 12 anos, não entendem a deficiência como uma doença e, menos ainda, como algo que precisa ser corrigido. Assim, costumam não contar aos pais que estão tendo dificuldade para olhar a distância. Foi o que aconteceu com Dayane de Melo Santos. Ela descobriu que seu filho, João Vitor, de 6 anos, tinha 4,5 graus de miopia em cada olho, em 11 de março, quando o menino brincava na piscina e acidentou-se. “Ele machucou olho e o médico diagnosticou a miopia”, conta. Durante a pandemia João Vitor está estudando digitalmente e compensou o problema óptico aproximando-se da tela. Agora, para que a miopia não evolua para problemas mais graves como descolamento de retina e até glaucoma, com o crescimento natural de João Vitor, o garoto foi submetido a um tratamento com uma lente de contato usada pela primeira vez no Brasil chamada MiSight, que corrige a miopia. O oftalmologista Leôncio Queiroz Neto, presidente do instituto Penido Burnier, explica que pelo fato de as crianças ficarem menos tempo expostas a luz solar, na pandemia, há menos produção do neurotransmissor, dopamina, e, sem a dopamina na retina, o resultado é a miopia. “O míope tem o globo ocular maior que as outras pessoas e a dopamina impede que esse o crescimento progrida”, pontua o médico. O estudo mostrou que além do significativo aumento da doença, os fatores socioambientais podem intensificar ou reduzir a incidência dessa debilidade.

Olho na tela

O confinamento da pandemia levou ao uso excessivo de telas pelas crianças. No trabalho acadêmico em questão, Colômbia, México e Chile, 76% das pessoas que participaram demonstram que o tempo de exposição às telas dentro de casa foi maior; 45% delas relataram que ficam olhando para o celular ou televisão entre 3 e 6 horas a mais que antes da pandemia; 29% tiveram mais de 6 horas de exposição. Entretanto, não há consenso na comunidade médica de que a utilização intensa de telas possa aumentar a miopia, apesar de os aparelhos eletrônicos estarem relacionados com alguns problemas ópticos como: secura ocular, cansaço visual, visão imprecisa temporária e dor de cabeça. A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que atualmente 2,6 bilhões de pessoas no mundo têm a deficiência ocular e, com o passar dos anos esse número, com certeza, vai aumentar. No Brasil, 27,7% da população ou 59 milhões de brasileiros são míopes. “Ainda não sabemos tudo sobre a miopia, mas o que sabemos é o suficiente para tomarmos atitudes que possam impedir o seu avanço” aponta Queiroz Neto. Assim, quando a pandemia passar, o que se espera é que as crianças vão voltar a olhar o mundo e brincar da maneira correta.