SÃO PAULO, 23 ABR (ANSA) – Por Lucas Rizzi – Enquanto Manaus abre valas comuns para enterrar vítimas do novo coronavírus (Sars-CoV-2), a preocupação é de que a pandemia se dissemine por comunidades indígenas e ribeirinhas na Amazônia.   

A 300 quilômetros da capital amazonense, um dos epicentros da crise sanitária no Brasil, uma comunidade que vive às margens do rio Jauaperi ainda não registra nenhum contágio, mas teme que a dificuldade em cumprir o isolamento social leve o vírus para o seio da floresta.   

“A gente sabe que o vírus está muito próximo, estamos muito preocupados”, diz a bióloga italiana Emanuela Evangelista, presidente da ONG Amazônia Milano Onlus, fundada em 2004 para oferecer saúde, educação, capacitação, trabalho e desenvolvimento sustentável aos nativos do Xixuaú.   

Casada com um ribeirinho, Evangelista vive na comunidade desde 2013 e agora vê com preocupação o cerco montado pelo novo coronavírus na floresta. Apesar das recomendações de isolamento, ribeirinhos, empurrados pela necessidade, continuam fazendo viagens de barco a centros urbanos para escoar sua produção e se abastecer de mantimentos e itens de primeira necessidade.   

Os principais destinos são Manaus, que já tem cerca de 2 mil casos do novo coronavírus – mais do que algumas regiões da Itália -, Manacapuru, com 230, e Novo Airão, com dois, segundo a Secretaria de Saúde do Amazonas.   

As três cidades também contabilizam 172, 14 e uma mortes, respectivamente. Em termos proporcionais, o estado é líder de casos no Brasil, com 598 para cada 1 milhão de habitantes, e de mortes, com 50 para cada 1 milhão de habitantes.   

“Não temos nenhum caso no rio Jauaperi, mas a preocupação é altíssima porque, ao nosso redor, temos Manaus, Novo Airão e Manacapuru, que são as cidades de referência para a população da região”, diz Evangelista.   

Segundo a italiana, a ONG iniciou uma campanha de conscientização para orientar os ribeirinhos a ficarem em casa, reduzindo as viagens até mercados urbanos. “Mas, por outro lado, a gente esbarrou em uma realidade que a gente conhece muito bem: quando se fala em isolamento social, é preciso considerar que, para as faixas pobres da população, isso é um luxo. Uma pessoa não consegue respeitar o isolamento social se não tem comida em casa”, acrescenta.   

O Xixuaú fica em uma reserva extrativista instituída em 2018 e ocupa uma área de mata preservada na fronteira do Amazonas com Roraima. Um dos projetos da ONG de Evangelista para garantir renda aos nativos é um programa de ecoturismo na comunidade, mas as visitas a zonas de conservação federais estão proibidas desde março para evitar o contágio de habitantes locais pelo novo coronavírus.   

Agora a Amazônia Milano Onlus busca formas de desestimular as viagens de ribeirinhos a áreas urbanas. Uma campanha de arrecadação de fundos na Europa em parceria com a entidade britânica Amazon Charitable Trust já garantiu cestas básicas de 300 reais para 105 famílias do Jauaperi.   

Um barco com os mantimentos e remédios saiu de Novo Airão na última segunda-feira (20) e está fazendo as entregas ao longo do rio. “Estamos tentando manter esse povo aqui. O ribeirinho é acostumado a viajar, ele vive do rio, a vida dele é movimento”, diz a bióloga italiana, acrescentando que a coisa mais importante agora é isolar essas populações. “O vírus está chegando”, afirma.   

Auxílio – Outro fator de preocupação para Evangelista é o auxílio emergencial de R$ 600 oferecido pelo governo a autônomos. Pessoas que não estão no Cadastro Único de programas sociais precisam fazer uma inscrição pela internet que depende de códigos enviados por SMS para conclusão e acompanhamento.   

No Xixuaú, no entanto, internet – sempre via satélite – é artigo raro, e a cobertura de celular é inexistente. Além disso, o calendário de pagamentos definido pelo governo pode exigir viagens em grupo dos ribeirinhos para alguma cidade onde possam sacar o benefício.   

“A iniciativa é maravilhosa, todos os governos estão fazendo isso. O problema que estamos tendo aqui é muito prático e logístico. Não vejo como algo funcional, não vai evitar aglomerações. Isso pode funcionar muito bem nas cidades, mas a Amazônia não é feita só de realidade urbana”, diz Evangelista. Procurada, a Caixa Econômica Federal, responsável pelo auxílio, ainda não respondeu se existe alguma alternativa para indígenas e ribeirinhos de áreas afastadas receberem o benefício. (ANSA)