André Marinho tem uma carreira meteórica. Em apenas dois anos, deixou de ser apenas um jovem com talento para imitações para se tornar um influenciador com impacto no mundo político. Essa vida começou dentro de casa, mas de forma atípica: a casa de seu pai foi usada como cenário nas gravações do então candidato à Presidência, Jair Bolsonaro, para o horário eleitoral. Seu pai, Paulo Marinho, integrou a chapa de Flávio Bolsonaro e hoje é suplente do filho 01 no Senado, pelo Rio de Janeiro. As conexões e o talento para o humor o levaram a ser contratado pela rádio Jovem Pan, onde passou a ser uma voz ouvida por milhões de brasileiros. Com o rompimento da família com o clã presidencial e a Jovem Pan cada vez mais próxima do governo, sua saída foi inevitável: antes, aproveitou a posição para colocar o presidente em situação desconfortável ao questioná-lo sobre as acusações de rachadinhas que pesam contra sua família. Em 2022, vai lançar um livro – com ataques a todos os políticos.

Por que perguntou ao presidente Jair Bolsonaro sobre as rachadinhas em um programa ao vivo? Foi vingança?
No último mês me senti como se estivesse no meio de um furacão, mas “o que não me mata, me fortalece”, como diria Nietzsche. Estou construindo uma carreira a longo prazo no ramo da comunicação e está patente para todos que a rádio Jovem Pan se tornou uma emissora bolsonarista. A experiência me mostra que não se deve temer os poderosos, independente se ele for o mandatário da nação. Ele merece a nossa cobrança e fiscalização, e acho que vocalizei o sentimento, as dúvidas e a indignação de milhões de brasileiros. Recebi ataques na internet, cuja dinâmica comparo a um pensamento de François Furet sobre o reino do terror na Revolução Francesa: “dêem um copo a esse canibal porque ele está com sede de sangue”. Virei bode expiatório do fanatismo alheio.

Você quis “alimentar a internet com sangue”?
Não sou santo, até porque, como diria o presidente americano Theodore Roosevelt, “o que vale não é o crítico que aponta o dedo, mas o homem que está na arena, com poeira e sangue no rosto, colocando a cara a tapa”. Ninguém pode dizer que me furtei de defender o que acredito. Ao contrário de muitos na rádio, mudei as minhas expectativas para não mudar meus princípios. No dia a dia, os comentaristas e colaboradores usam todo tipo de contorcionismo argumentativo rasteiro para tentar defender o indefensável e justificar o injustificável.

Sua família participou da campanha que elegeu Bolsonaro. Quando foi a última vez que encontrou o presidente?
Em 2018, na primeira reunião de composição ministerial, na minha residência, no Rio de Janeiro. O que ele fez foi uma traição sistemática. É o contrário do toque de Midas: ele destrói tudo que toca. Representa um regime de ressentimento e amargor que está desgastando o tecido brasileiro como nunca.

Vocês não percebiam o autoritarismo do Bolsonaro durante a campanha? Como era a convivência na época?
Já fiz um exame de consciência sobre 2018. Minha postura é olhar o copo meio cheio e honrar o princípio básico do ceticismo absoluto em relação à política. Nenhum indivíduo, ou grupo de pessoas, é capaz de resolver todos os problemas. Bolsonaro colhe a erva daninha de ter prometido mundos e fundos e ter entregado pouco. Graças à histeria coletiva em que o Brasil estava imerso, muitos — e eu me insiro nessa parcela imensa do eleitorado —, na ânsia de promover a alternância de poder, colocaram em segundo plano as falhas de caráter e o retrospecto duvidoso dele enquanto parlamentar.

Você se arrepende de ter participado dessa história?
Me arrependo por ter colaborado em algumas partes, especialmente para virar votos e prestar apoio pontual. Fui testemunha ocular de capítulos alucinantes da trajetória dele rumo ao Planalto, mas tento ver toda aquela experiência como a verdadeira realidade das engrenagens da política. As máscaras estão caindo. Tem gente que continua defendendo o governo mesmo diante do indefensável. Perguntei a vários agentes do bolsonarismo na rádio: “O que o Bolsonaro precisa fazer para você descolar dele?”

Debochar dos mortos na pandemia, por exemplo, como ele fez?
Ele estimulou as pessoas a se comportarem como alucinados no momento mais agudo da pandemia. Eu via na rádio convidados tentando defender teses perigosas e tendo aquele palanque imenso. Conheci pessoas que morreram e muitos que ainda sofrem com as sequelas. Amigos que perderam os pais. Não faço piada com isso, como o presidente fez. O governo fala que a mamata acabou, mas faz excursão de motociata com seus apoiadores servis revestidos com aquelas roupas de lycra preta em pleno sol do Oriente Médio. É um deboche com a nossa cara. A essa altura do campeonato, está escancarado para quem quer ver.

Foi você quem contou para a Michelle sobre a facada que Bolsonaro havia levado. É verdade que ela te pediu para imitar o presidente naquele momento?
Fui o portador da má notícia. Foi um momento surreal em que Michelle me pediu para imitá-lo para trazer algum consolo. Fiz uma imitação de bate-pronto, meio acuado. Não pude negar. Mais tarde, ainda no hospital, o Bolsonaro me disse: “agora é só a gente não fazer mais nada que ganhamos a eleição”. Ele tinha consciência disso. Toda vez que os números dele começam a cair, ou que o calo começa a apertar, ele arruma um pretexto para colocar a “narrativa do enfermo” no ar.

Como se deu o afastamento da família Bolsonaro?
Eles regulam em outra frequência. Nunca fizemos parte do núcleo íntimo da campanha, mesmo estando dentro da nossa casa. Aí ele assumiu e o Bebbiano foi escorraçado do governo, com requintes de crueldade. Foi uma benção disfarçada, a melhor coisa que nos aconteceu. O destino foi generoso.

Seu pai tem uma carreira empresarial sólida. Por que ele quis se envolver com essa história de política?
Falo por mim. O que posso dizer é que, se eu soubesse na época o que sei hoje sobre Bolsonaro, não teria apoiado. Eu tinha vestígios de como ele se comportaria. No dia da eleição, fui a sexta pessoa a cumprimentá-lo. O semblante dele era de alguém que parecia se perguntar: “E agora, o que eu faço?”. Meu pai se arrepende de ter dado apoio pela extensão da traição que veio depois. “Dê poder ao homem e verás quem ele é.” Bolsonaro é uma reinterpretação tacanha dos integralistas do anos 1930 no vale tudo contra as esquerdas. É um demagogo talentoso. Entende o mínimo dessa natureza humana, que é carente de símbolos, bandeiras e hinos. O bolsonarismo dialoga com brasileiros frustrados e alienados que sentem que precisam estar inseridos em algo maior.

Que símbolos são esses?
Deus, Pátria e Família. Habilmente, o presidente conseguiu ser o receptor de várias forças, como o antipetismo e o lavajatismo.

No jantar em homenagem a Michel Temer, em setembro, sua imitação do presidente Bolsonaro teve grande impacto político. De onde surgiu a ideia de imitá-lo?
O cenário era propício para teorias da conspiração. Parecia uma reunião do multiverso da Transilvânia ou um jantar da família Addams. Era piada pronta, ouro maciço para a paródia política. Eu milito pela causa do humor, doa a quem doer. Atribuíram uma importância desmedida àquele jantar. Naquele momento, o ex-presidente Michel Temer desarmou a bomba que estava se armando na praça dos Três Poderes em Brasília. Ali eu consegui expor a falta de estatura, fibra moral e densidade pessoal do presidente. Fiz as imitações de forma despretensiosa. Não teve uma agenda política, foi uma confraternização social.

Qual foi a reação dos bolsonaristas?
A cavalaria bolsonarista logo começou a me atacar. Não tenho culpa se ele me dá material infinito para eu seguir com os meus personagens. Não era para ser divulgado, era um ambiente privado. Me chamaram de bobo da corte, mas mal sabiam que estavam me elogiando. O bobo da corte tinha os ouvidos do monarca, da realeza. Podia extravasar as críticas do povo sem correr o risco de perder a cabeça. Sou um “entertainer”, nunca cobicei ser comentarista político. A minha veia artística estava ficando em segundo plano. Por isso fui buscar novos ares, depois de ter cumprido minha missão de expor o quão minúsculo é o verdadeiro Bolsonaro.

Há, pelo menos, cinco candidaturas à presidente. Você se identifica com alguma?
Será necessário uma consertação de força, um senso inédito de pragmatismo e de grandeza. Acho que alguns nomes vão ter que adiar projetos pessoais em nome de uma construção em conjunto de uma alternativa ao lulo-petismo, essa máfia sindicalista completamente jurássica e incapaz de fazer uma autocrítica, até hoje escancarando sua natureza autoritária, propondo a regulação da mídia, fazendo acenos e elogios à eleição de autocratas sanguinários mundo afora. Parece que não aprenderam com nada e seguem demonstrando esse atraso. Lula e Bolsonaro são faces da mesma moeda inflacionada do populismo à brasileira, que vem atrasando e destruindo nosso País desde que as primeiras caravelas atracaram no sul da Bahia. Já Bolsonaro representa esse regime de ressentimento e amargor. Essa alternativa tem que falar de um jeito que não seja pedante, traçar uma linha programática e propor algo para o povo.

Sergio Moro entrou na corrida e deixou os bolsonaristas em polvorosa. Como vê a candidatura dele?
Acho que a trajetória dele na magistratura é muito eloquente. Ele prestou serviços inestimáveis ao País e só por isso já merece a nossa consideração. Mas algo que aprendi foi que a ideolatria incondicional é uma das coisas mais degradantes do ser humano. Vi pessoas que eu admirava se enrolarem nessa obediência canina ao projeto de poder. Não podemos cair nessa tentação de fazer uma defesa apaixonada e intransigente. É louvável militar pela política, mas é uma linha tênue entre um defensor intransigente de político. Reduzir as pessoas a “gado” e “mortadela” só desgasta o tecido social e inviabiliza a reconciliação nacional. A política deveria ser vista como ato de doação temporária ao poder, não perpetuação indefinida. De qualquer maneira, ainda falta muito tempo para a eleição.

Você nunca pensou em entrar para a política?
Não só penso, como pretendo dar minha parcela de contribuição para o País. Odeio o rumo que o Brasil esta tomando. Minha geração está completamente desperançosa, desiludida com o processo político. Sempre preguei que a política tem que ser feita com o “P” maiúsculo. Temos que recuperá-la para ser a mais nobre das profissões. Sou candidato, isso sim, a zoar todos eles no ano que vem. Vou me reconectar com a minha veia artística e com a sátira política. Mesmo tendo apenas dois anos de carreira, acho que já protagonizei momentos marcantes. Presenciei bastidores da mídia brasileira e vi mudanças paradigmáticas. Fui testemunha e vivenciei intimamente esse processo. Estou escrevendo meu primeiro livro, que pretendo lançar em meados de 2022, antes da eleição. Vou usar tudo o que tiver de ridículo da postura desses presidenciáves.