A Viradouro consagrou-se nesta quarta-feira (26) campeã do Grupo Especial dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, com um enredo sobre as Ganhadeiras de Itapuã, escravas que no século XIX realizavam atividades remuneradas e usavam o dinheiro para alforriar companheiras.
Sem esperar a leitura final das notas dadas pelos juízes a nove quesitos, os componentes da escola, atual vice-campeã, explodiram em lágrimas, abraços e sorrisos na Praça da Apoteose, quando a soma dos pontos obtidos situaram a escola de São Gonçalo à frente das agremiações que se apresentaram nas noites de domingo e segunda-feira na avenida Marquês de Sapucaí.
Este é o segundo título da Unidos do Viradouro, depois do primeiro, em 1997.
Os desfiles deste ano foram marcados por temas com fortes críticas social e política.
Um ano depois da chegada de Jair Bolsonaro ao poder, as escolas de samba levaram ao Sambódromo sambas-enredo com críticas duras ao racismo, à homofobia, à intolerância religiosa e aos ataques ao meio ambiente e aos povos indígenas.
“Viradouro de alma lavada” é o nome do samba-enredo com o qual a escola campeã celebrou a resistência de mulheres escravas que no século XIX guardavam o dinheiro obtido lavando roupas e vendendo quitutes às margens da Lagoa do Abaeté para alforriar suas companheiras.
Muito aplaudido, o tripé da comissão de frente da escola revelava um aquário onde uma sereia negra de cauda dourada executava acrobacias em sete mil litros de água mineral representando a lagoa.
A sereia é Anna Giulia Veloso, única atleta negra da equipe brasileira de nado sincronizado.
A Mangueira, que em 2019 foi a campeã com um desfile que homenageou os heróis esquecidos dos livros oficiais de História e a vereadora Marielle Franco, assassinada um ano antes, ficou em sexto lugar este ano. A verde-e-rosa, cujo samba-enredo, ‘A verdade vos fará livre’, chegou a motivar pedidos de restrição por parte de igrejas cristãs conservadoras, apresentou as várias faces de Jesus – negro e favelado, mulher negra ou indígena – todas com uma mensagem de tolerância.
– Desempate –
A Acadêmicos do Grande Rio, escola de Duque de Caxias, ficou em segundo lugar com um enredo em defesa da tolerância religiosa. Apesar de terem empatado na contagem final dos pontos, ambas com 269,6, a escola de São Gonçalo levou a melhor no segundo quesito de desempate, evolução (o primeiro era harmonia).
A vice-campeã de 2020 contou a vida do líder histórico do candomblé Joãozinho da Gomeia.
O babalorixá, falecido em 1971, rompeu padrões dentro de sua própria comunidade e ajudou a popularizar a religião em outros segmentos da sociedade, tornando-se um símbolo de tolerância religiosa.
“Pelo amor de Deus, pelo amor que há na fé/ Eu respeito o seu amém, você respeita o meu axé”, diz o refrão do samba-enredo ‘Tatalondirá, o canto do caboclo no quilombo de Caxias’.
O terceiro lugar ficou com a Mocidade Independente de Padre Miguel, com uma reconstrução da trajetória da cantora negra Elza Soares, que venceu a pobreza, o racismo e a violência de gênero para construir uma carreira reconhecida e que, aos 89 anos, se mantém como um ícone da luta feminista.
As seis escolas mais bem colocadas do Grupo Especial voltarão ao sambódromo no sábado para o desfile das campeãs.
Esta foi a primeira edição dos desfiles sem financiamento público, após a decisão do prefeito Marcelo Crivella, um bispo evangélico licenciado, crítico do carnaval.