Em meio a debates e polêmicas, surge um projeto de lei na Câmara dos Deputados que promete levar descontração e leveza para o cenário político. Trata-se da proposta de tornar o vira-lata caramelo uma “manifestação imaterial cultural do Brasil”. Parece inusitado, mas a verdade é que esse cachorrinho sem raça definida (SRD) conquistou o coração dos brasileiros.

Em abril de 2023, o deputado Felipe Becari (União-SP) apresentou a proposta, já aprovada pela Comissão de Cultura. No texto, o parlamentar identifica o animal como “um dos cachorros mais populares e amados do Brasil”. O objetivo é incluir o animal na lista de patrimônios culturais brasileiros, que conta com a presença do Círio de Nazaré, queijo Minas artesanal, roda de capoeira, Bumba Meu Boi, entre outros.

“O caramelo brasileiro é realmente um animal que tem uma mistura de muitas raças. Por isso ele é encontrado por todo o Brasil, e isso faz com que seja muito mais fácil a conversa sobre adoção quando a gente encontra uma representação em todos os cantos do País. Acho que é o principal ganho com esse projeto de lei”, opina a veterinária Carla Maion.

Muito mais que somente samba e futebol: o Brasil é o País do vira-lata caramelo. Para essa constatação não são necessários dados científicos ou pesquisas, pois esse cão vive no imaginário coletivo.

Quem nunca se deparou com um vídeo adorável de um exemplar fazendo travessuras nas redes sociais, ou então cantarolou a música de Whinderson Nunes, que exalta as qualidades do bichinho? “Graças à visibilidade que o Whinderson deu aos vira-latas, as pessoas começaram a vê-los com mais carinho. No nosso abrigo, a grande maioria de cães adotados são caramelos”, afirma Stefani Rodrigues, fundadora da Apa Fortaleza, ONG cearense que abriga aproximadamente 400 animais.

Vira-lata caramelo vai virar símbolo nacional
Cães SRD em feira de adoção promovida por ONG em São Paulo (Crédito:Divulgação)

O vira-lata caramelo se tornou um verdadeiro fenômeno pop, ganhando até mesmo uma série de memes. “A Dolores chegou em 2020 com 60 dias. Eu e meu noivo queríamos adotar uma cachorrinha caramelo. Ele procurou por anúncios de doação e a encontrou”, conta Isabella Perillo, vice-diretora escolar.

“Popularizar o caramelo foi a forma que o brasileiro encontrou de dar uma raça verdadeira e simbólica para esses animais. Com esses cachorrinhos virando patrimônio nacional, eles passarão a ser mais respeitados e queridos. Anira furou a bolha e é conhecidíssima entre meus seguidores nas redes sociais”, argumenta o jornalista Lucas Nascimento, tutor de Anira, de cinco anos.

Vira-lata caramelo vai virar símbolo nacional
Lucas Nascimento e sua parceira de viagem e aventuras Anira (Crédito:Rogerio Cassimiro)

Visibilidade

A internet ajudou na consagração do pet, que já foi tema de petição pública em 2020, quando reivindicavam o vira-lata caramelo como estampa das notas de duzentos reais: “Não descartamos a relevância do lobo-guará na história e na fauna brasileiras; porém, o cachorro vira-lata está mais relacionado ao cotidiano dos brasileiros”, dizia a petição.

“É muito divertido e recompensador ser tutora de um caramelo. Além da (representante da espécie) Phoebe, tenho mais duas cachorras, a Mulan e a Amora, ambas pretinhas, mas a Phoebe tem outro ritmo, não tem tempo ruim”, derrete-se a jornalista Jéssica Vieira de Oliveira.

Com toda essa visibilidade e carinho por parte da sociedade, mais pessoas estão optando por adotar um legítimo representante. Há sete anos o publicitário e marceneiro André Montilha foi fazer uma trilha, em Minas Gerais, e cruzou no primeiro dia com o filhotinho caramelo. “Levei na mochila. Na época, o Tintin tinha dois, três meses e estava magrelinho. Trouxe para São Paulo e hoje ele faz parte da família. Mudou a minha vida”, relembra.

Vira-lata caramelo vai virar símbolo nacional
Cães à espera por um lar na sede da ONG Vira Lata-Vira Amigo (Crédito:Divulgação)

Infelizmente, os vira-latas marrons, assim como os cachorros pretos, apesar de toda a movimentação, ainda são os mais abandonados e menos preferidos. Mas as coisas podem estar mudando. Na ONG paulista Vira Lata–Vira Amigo, 38% dos cães adotados são do tipo. “Não sei dizer se realmente esse movimento todo pode ser benéfico. O que espero é que ele possa se transformar no símbolo da importância da adoção”, diz Wagner Aguado, proprietário da ONG.