03/10/2018 - 14:11
Ao receber a notícia de que um vinho obteve a nota máxima em uma avaliação, sempre me ocorrem duas perguntas. A primeira: quais fatores permitiram àquele rótulo atingir a “perfeição”? E a segunda: se a safra seguinte for ainda melhor, que pontuação o vinho deveria receber. As respostas para ambas me foram dadas pelo enólogo francês Michel Friou. Ele é o responsável pela vinificação do Almaviva, o mítico rótulo elaborado no Chile há 20 anos a partir de uma joint-venture formada pelas vinícolas Baron Philippe de Rothschild e Concha Y Toro. O Almaviva 2015 não só mereceu 100 pontos como foi eleito o vinho do ano de 2017 pelo crítico norte-americano James Suckling, uma das principais autoridades do tema no mundo. Para explicar os motivos que levaram à consagração do Almaviva 2015, Friou destacou as condições climáticas altamente favoráveis do período anterior à colheita das uvas, além dos avanços no processo de vinificação que resultam da experiência de duas décadas da equipe dedicada a esse ícone sul-americano. Em resumo, o clima perfeito e comprometimento com a excelência resultaram nos 100 pontos desse vinho que traz 69% de cabernet sauvingon, 24% de carmenère, 5% de cabernet franc e 2% de petit verdot, cada casta contribuindo com suas características para chegar a um corte equilibrado e elegante, como a marca se propõe. Como é impossível receber mais que 100 pontos, minha segunda pergunta só tem uma resposta: a nota máxima que um vinho pode receber é ser considerado o melhor entre todos daquele ano.
Atingir a perfeição é uma meta ambiciosa para quem se dedica à enologia. Por depender de fatores climáticos sobre os quais não se tem o controle absoluto, os produtores de vinho estão sujeitos a safras boas e nem tanto – cabendo a eles fazer o melhor possível em cada situação. Felizmente para os viticultores brasileiros, a safra 2018 foi uma das campeãs da história, como demonstra a pontuação média da Avaliação Nacional de Vinhos, da qual tive a honra de ser um dos 16 comentaristas, na manhã de 29 de setembro, em Bento Gonçalves. As 344 amostras avaliadas por 120 enólogos da Embrapa e da Associação Brasileira de Enologia perfizeram a média de 86,6 pontos – a mais alta da década. Isso porque, além de a safra ter sido excelente, há uma melhoria constante nas práticas que envolvem a elaboração de vinhos no Brasil, desde o manejo dos vinhedos até o processamento das uvas, a seleção de cachos e, mais importante, o conhecimento enológico acumulado nos últimos anos por profissionais cada vez mais capacitados.
O vinho que provei às cegas durante a avaliação foi um cabernet sauvigon. O que encontrei na taça me surpreendeu pela elegância desde a coloração, viva e cristalina. Ao nariz, os aromas de frutas vermelhas e pretas maduras (groselha, cereja, ameixa) eliminam qualquer traço de pimentão – característica que normalmente prejudica o desempenho do cabernet sauvignon brasileiro. Na boca, o vinho revelou enorme potencial. Por ser uma colheita recente, ainda traz taninos ainda a serem polidos pela ação do tempo, o que irá garantir a longevidade da bebida, que já revela grande estrutura e equilíbrio. Como ocorre sempre na Avaliação Nacional de Vinhos, só depois de dar a minha nota e fazer o comentário soube que se tratar de um produto da Almaúnica, vinícola que tem se revelado uma das mais consistentes do Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul. Os merecidos 90 pontos que dei à amostra comprovam que ainda há um longo caminho até a perfeição, mas ele está sendo percorrido na direção correta.