A declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre videogames, principalmente de jogos de tiro, contribuírem para o crescimento da violência no âmbito escolar e infantil no Brasil segue dando o que falar.

Na última semana, o mandatário afirmou que “não existem jogos que tratem de amor e educação”. O petista também reclamou que a existência de jogos de tiro para videogames ensina os jovens a matar.

Segundo a associação feita por Lula, os jogos de tiro só contribuem para violência e morte, sem estimular a “educação” de jovens, ocupando suas rotinas com temas sobre comportamentos agressivos.

“Não tem jogo, não tem game falando de amor. Não tem game falando de educação. É game ensinando a molecada a matar. É cada vez muito mais mortos do que na Segunda Guerra Mundial. É só pegar o jogo da molecada, o meu filho, o filho de cada um de vocês. O meu neto, o neto de cada um de vocês (…) Eu duvido que tenha um moleque de 8, 9, 10, 12 anos que não esteja habituado a passar grande parte do tempo jogando essas porcarias”, declarou Lula.

“Hoje a molecada joga com gente de outro país, passam noites jogando, e tudo isso resulta nessa violência no meio de crianças”, acrescentou o presidente.

A fala do mandatário, contudo, não foi bem recebida por diversas pessoas, principalmente pelos gamers. Até mesmo o filho mais novo do presidente, Luís Cláudio Lula da Silva, não ficou feliz com a declaração e rebateu o pai em suas redes sociais.

“Meu pai viu os filhos e os netos crescerem jogando videogame, ele sabe que isso não nos tornou violentos, ele fez uma declaração sobre um assunto polêmico, ao vivo, e acabou generalizando. Videogame é muito mais que violência, é arte, é lazer, é entretenimento”, escreveu Luís Cláudio no Twitter.

A infeliz declaração do presidente não só correlacionou atentados em escolas com jogos de tiro, como também contrariou estudos divulgados anteriormente, que afastam a relação entre videogames e violência.

Beatriz Bueno, pesquisadora em games e ativismo digital, conversou com a reportagem e reforçou que a declaração de Lula é errada, uma vez que não é possível traçar um paralelo entre os jogos e ataque violentos do mundo real.

“É uma fala desinformada que corresponde ao senso comum sobre a relação entre videogames e violência. É compreensível o porque ele tem essa impressão, já que os jogos com mais visibilidade na mídia certamente são os jogos competitivos focados em temas bélicos, mas é uma generalização que não corresponde a realidade total do mercado de games e que não deveria ser repercutida pelo presidente sem um bom filtro crítico”, afirmou Beatriz.

A pesquisadora ainda reforçou a tese de que o crescimento da violência nas escolas não tem nada a ver com jogos de videogame. “Não há relação entre os crescentes ataques nas escolas e o consumo de games de tiro. Existe relação entre comunidades organizadas em torno de discurso de ódio e glorificação de massacres nas plataformas digitais e esse tipo de ataque”, comentou.

“Eventualmente, alguns desses grupos têm gamers entre seus membros, mas sugerir uma relação de causa e efeito entre o consumo de jogos e os ataques é um completo absurdo refutado por vários pesquisadores. E não faz sentido considerando o quão alto e consistente o consumo desse tipo de jogo sempre foi no Brasil”, completou.

Videogames x violência em estudos

A fala do presidente Lula, contudo, já foi repetida por outros grandes líderes. Em 2020, quando ainda comandava os Estados Unidos, Donald Trump e alguns republicanos chegaram a relacionar os videogames e jogos de ação com o aumento de tiroteios em massa no país norte-americano.

Professor associado da Universidade de Oxford, Andrew Przybylski, que estuda mídias digitais, afirmou que há poucas evidências ligando jogos violentos à violência no mundo real.

“Os jogos apenas se tornaram mais realistas. Praticantes e jogos violentos apenas se tornaram mais diversificados. E estes jogos agora são jogados no mundo todo”, declarou Andrew, há algum tempo.

Segundo o professor, ao longo anos, “as evidências foram se tornando bem claras que, onde há correlações, elas se devem provavelmente a um terceiro fator”. Conforme ele citou em exemplo, meninos têm, historicamente, mais probabilidade de jogar videogames e, na média, costumam ser mais agressivos que meninas.

Em 2020, Przybylski publicou um estudo sobre o tema. Em pesquisa realizada com mais de 1.000 adolescentes britânicos, não foi encontrado ligações entre o tempo jogando jogos violentos e um comportamento agressivo.

No mesmo ano, pesquisadores da Escola de Saúde Pública T.H. Chan, da Universidade de Harvard, divulgaram uma pesquisa em que descobriram que jogos violentos podem aumentar o comportamento agressivo, mas “estes efeitos são quase sempre bastante pequenos”.

A agressão identificada pelos pesquisadores, contudo, não indica que alguém irá cometer um tiroteio em massa. “A pergunta que você deve fazer a si mesmo é: as pessoas saem para praticar tiroteios em massa depois de desistirem com raiva do Call of Duty [jogo de tiro]?”, completou Andrew, que acredita que a maioria das pessoas geralmente não comete atos violentos após perder um jogo de golfe.