05/10/2021 - 18:02
Dona Maria José não consegue recordar exatamente a sua idade, mas o que realmente gostaria de apagar de sua memória é a morte de seu neto e a cena de seus vizinhos perdendo suas casas para o fogo.
Kelly Monique de Oliveira Silva, de 34 anos, apagou o fogo que ameaçava atingir uma área próxima de sua casa com seus próprios pés, enquanto acalmava os seus filhos que gritavam assustados com o que viam.
Já a imigrante boliviana Dona Juana, enquanto cozinhava incansavelmente para as dezenas dos brigadistas que combatiam o fogo, deixou seus filhos sozinhos em casa e teve que lidar com o ex-marido que agrediu sua filha enquanto ela trabalhava.
O fogo para essas mulheres é um gatilho de memória para todo o sofrimento que vivenciaram durante o ano de 2020 e que elas assistem se repetir novamente este ano. Diante disso, elas se uniram para aprender a lidar com a situação.
O grupo que inicialmente reunia cerca de 20 mulheres ribeirinhas teve algumas baixas, mas a primeira brigada voluntária feminina da Serra do Amolar se formou com um número relevante de 12 participantes, considerando que o número de brigadistas permanentes totais de lá hoje são de 14 homens.
As mulheres que não puderam comparecer sofrem diariamente repressão dos maridos e não conseguem se desligar do serviço doméstico com seus filhos. O objetivo dessas mulheres que vivenciaram o fogo em 2020 era não somente aprender a lidar com os incêndios para proteger suas casas mas também atuarem como suporte das equipes locais que estão em ação, e por meio de doações, se equiparem com todos os EPI’s e equipamentos necessários para ação, como bombas costais e abafadores.
Períodos de seca mais severas, maiores temperaturas e descontrole para conter incêndios nas áreas mais remotas do bioma. Além da perda de vasta área nativa de preservação e de milhares de animais mortos prejudicando toda a cadeia ecológica, as comunidades da região da Serra do Amolar sofrem por falta de acesso, comunicação e estrutura. Essa é a realidade do Pantanal hoje.
A jornalista Flávia Vitorino* e a cinegrafista Thamys Trindade* acompanharam o trabalho da ONG IHP (Instituto Homem Pantaneiro) e do PrevFogo, participando do treinamento e vivência com as mulheres por três dias na RPPN Novos Dourados, dentro da área da Serra do Amolar que fica cerca de 4 horas de navegação da cidade de Corumbá – MS.
São mulheres que enfrentaram uma realidade muito dura e sofrida para defender suas casas e sua família. Elas se emocionam ao falar do fogo com tremenda dor e medo da história do ano passado chegando novamente. Por isso uniram forças para estar aqui hoje.