A busca por vida extraterrestre sempre despertou a humanidade, mas, até agora, só tem acumulado frustrações. Isso pode ter mudado. A hipótese ganhou um importante impulso na última segunda-feira, 14, quando um time de cientistas do Reino Unido, EUA e Japão anunciou a descoberta na atmosfera de Vênus de um gás que não é encontrado naturalmente na Terra: a fosfina, ou hidreto de fósforo (PH3). É um indício forte de atividade biológica — e por isso a notícia causou comoção em todo o mundo. A descoberta aconteceu em um ambiente considerado extremamente improvável para o surgimento da vida. Apesar de ser o planeta mais próximo da Terra, com tamanho similar e nível de radiação recebida do Sol semelhante, Vênus tem condições extremas. A atmosfera é altamente tóxica e densa, composta principalmente por dióxido de carbono e nuvens de ácido sulfúrico. Em um efeito estufa radical, a temperatura na superfície chega a 470°C, a mais quente do Sistema Solar, suficiente para derreter chumbo. A pressão atmosférica é 92 vezes maior do que a terrestre. Isso sempre adicionou um quê de mistério ao planeta. As sondas enviadas desde os anos 1960 simplesmente “desapareciam”, corroídas ou esmagadas em minutos. Por causa disso, a esperança de achar vida no astro, até agora, havia desaparecido. Daí o espanto.

INFERNO Vênus tem superfície com temperatura de 470 graus Celsius e pressão atmosférica 92 vezes superior à terrestre. Mas fosfina foi descoberta a 60 km de altitude, onde as condições são similares às da Terra (Crédito:MARK GARLICK/SCIENCE PHOTO LIBRA)

Ainda que a descoberta publicada na revista “Nature Astronomy” seja espetacular, a evidência do composto em ambiente venusiano exige cautela. Não se trata de uma prova definitiva de vida. Na Terra, a fosfina é produzida por bactérias que vivem em ambientes com escassez de oxigênio. Em Vênus, seria gerada de uma forma parecida, apontam até o momento as evidências. A líder da equipe que revelou a descoberta, Jane Greaves, da Universidade de Cardiff (País de Gales), diz que foram avaliadas exaustivamente possíveis fontes não biológicas, como atividade vulcânica, meteoritos e reações químicas diversas. Mas nenhuma pareceu viável. A existência da fosfina, em si, não é inédita. Já foi detectada na atmosfera de Júpiter e Saturno, gigantes gasosos que permitiram sua formação a partir de condições extremas de calor e pressão. Porém, nos planetas rochosos (os quatro mais próximos do Sol), os processos naturais químicos ou geológicos para isso são desconhecidos. Não há, portanto, alternativa para a produção do composto que não seja por vida microscópica, ao menos pelo que se conhece até o momento. “Se a formação de fosfina for ocasionada por microorganismos, isso pode significar uma mudança de paradigma, uma nova concepção. Muda a forma como analisamos a vida e o Universo”, diz o astrobiólogo Douglas Galante, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, instituição responsável pelo Laboratório Nacional de Luz Síncroton. O composto foi detectado a cerca de 60 km de altura, por meio de dados do Telescópio James Clerk Maxwell, do Havaí, coletados em 2017 e confirmados pelo radiotelescópio Alma, no deserto de Atacama (Chile), em 2019. Nessa altitude, o clima venusiano é menos infernal. A pressão atmosférica é metade da registrada na superfície do mar na Terra, e a temperatura também se aproxima das condições terrestres, cerca de 27 graus Celsius. Ainda assim, o excesso de acidez e a pequena presença de água sempre foram obstáculos para a hipótese de vida. Não mais.

Corrida espacial

A busca de vida esteve na origem das pesquisas astronômicas e também da corrida espacial. A Lua foi logo descartada. A Apollo 12 trouxe amostras de microrganismos, mas depois se descobriu que tinham sido levadas para lá por uma sonda, em 1968. Os primeiros astrônomos também esmiuçaram Marte. Os canais desse planeta, vistos nos telescópios rudimentares, incendiaram a imaginação humana em busca de marcianos, criando uma mitologia que continua a ser explorada na literatura e no cinema até hoje. Porém, as missões Viking nos anos 1970 jogaram um balde de água fria ao descartar qualquer evidência de atividade orgânica. Nos anos 1990, uma notícia bombástica renovou a esperança no planeta vermelho. Dessa vez, cientistas descobriram possíveis traços de atividade microbiana em um meteorito de origem marciana achado na Antártida, batizado de ALH84001. Mas essa teoria virou decepção. A “anormalidade” tinha explicações geológicas e físicas. Porém, o episódio permitiu o desenvolvimento da astrobiologia desde então e redirecionou as buscas para extremófilos, seres capazes de viver em condições extremas. A descoberta atual faz parte desse esforço.

Em Vênus, se a nova forma de vida for confirmada, será exatamente seguindo essa pista. Onde há energia e água a vida é possível. Ou melhor: energia e um elemento líquido, que permita a troca de substâncias a nível celular. Essa linha de pesquisa levou os especialistas a descobrirem vida em lugares inóspitos e improváveis na própria Terra, como nos vulcões no fundo do oceano, na alta atmosfera, em lagos congelados há milhares de anos na Antártida e até nos reatores de Chernobyl. Ainda assim, a procura de extraterrestres nunca trouxe resultados concretos. Desde os anos 1970, o projeto SETI utiliza radiotelescópios para buscar sinais de vida. Nos anos 1960, utilizando os primórdios desse recurso, cientistas descobriram um intrigante “ruído de fundo” no universo que só foi compreendido décadas mais tarde: era o som do Big Bang, a explosão original que criou o universo. O filme “Contato” (1997), escrito pelo astrofísico Carl Sagan, imagina o choque da revelação de vida alienígena via radiotelescópios. Aborda o conflito entre fé e razão a partir dessa descoberta, mas ela de fato nunca aconteceu. Antes do achado venusiano, os teóricos apostavam na busca de vida nas luas geladas de Júpiter e Saturno. A descoberta de vapor d’água em Europa, que orbita Júpiter, no final do ano passado, animou essa procura. Enceladus, lua de Saturno, tem um enorme oceano de água líquida abaixo de uma crosta de gelo. Em 2007, a descoberta de metano em Titã, que circula ao redor de Saturno, também causou alvoroço. Mas tratava-se de um fenômeno geológico natural.

Há pesquisas direcionadas para os chamados exoplanetas, astros que estão sendo descobertos em abundância fora do Sistema Solar por meio de novas técnicas de detecção. Assim como ocorreu com Vênus, as pesquisas se concentram na existência de fosfina. Que a molécula tenha sido descoberta num planeta vizinho surpreendeu os especialistas. Por ser o astro mais brilhante do céu, depois do Sol e da Lua, Vênus sempre ocupou um lugar especial na imaginação humana. Foi batizado em homenagem à deusa romana do amor e da beleza. Inicialmente foi considerado um planeta “gêmeo” da Terra. Isso, milênios antes da descoberta de suas condições extremas, que lhe deram a fama de “planeta morto”. Ainda assim, Sagan já havia especulado sobre essa hipótese em 1967. Com o achado atual, foi “reabilitado”. Os cientistas fizeram a descoberta seguindo uma pista aberta pela Nasa em 2016. Nesse ano, a agência espacial americana publicou um estudo levantando a hipótese de que o planeta tenha tido um clima habitável e água líquida em sua superfície no início da sua existência, há cerca de 4,5 bilhões de anos, como a Terra.

“É espantoso que a vida possa existir em meio a tanto ácido sulfúrico. Mas as hipóteses geológicas e químicas não explicam a produção da fosfina” Jane Greaves, autora da descoberta, pesquisadora da Universidade de Cardiff (Crédito:Sam Ogden)

Marte na mira

Enquanto Vênus volta a interessar os cientistas e deve originar novas missões, as atenções continuam em Marte. Nele, apesar de a água não ser encontrada na superfície, sabe-se que existe no subterrâneo. Para comprovar, a Agência Espacial Europeia (ESA) enviou neste ano uma missão que vai buscar depósitos subterrâneos de gelo. Um jipe deverá perfurar o solo em busca de moléculas orgânicas. Achar traços de vida continua a ser uma prioridade. Já no caso de Vênus, se for confirmada a hipótese de atividade microbiana, será a prova de que a vida pode ser comum no universo, ao contrário do que se averiguou até o momento. Do ponto de vista científico, essa tese ganhou um alento importante. Mesmo assim, as evidências concretas até o momento dizem que estamos só. Por enquanto, a ansiedade de encontrar vida revela apenas as necessidades e os dilemas do homem que busca entender sua excepcionalidade. Sem contar as especulações religiosas e metafíscas, ainda faltam respostas básicas para descobrir de onde viemos e para onde nos dirigimos.