Altamente dependente da bancada evangélica para levar adiante seus planos de governo e aprovar projetos da sua agenda econômica, o presidente Jair Bolsonaro não quer se indispor com seus aliados de primeira hora. Por isso, ele tira benefícios fiscais para os religiosos com uma mão, mas promete dar com a outra. Foi o que ele fez com a proposta de lei que concede anistia em tributos a serem pagos pelas igrejas. Bolsonaro vetou o perdão de uma dívida tributária, que equivale a R$ 1 bilhão, e, para não melindrar os evangélicos, prometeu alguma medida que livre seus aliados de impostos de uma vez por todas. O que Bolsonaro instituiu foi uma espécie de “veto brando”, em que demonstra seguir as orientações do Ministério da Economia para garantir um verniz de responsabilidade fiscal para seu governo e acena com benefícios e isenções futuras para agradar seus pares. No domingo 13, a Secretaria-Geral da Presidência informou que o presidente é favorável à não tributação de templos e que o governo irá propor “instrumentos normativos a fim de atender a justa demanda das entidades religiosas”.

Jogo de cena

O veto ao perdão tributário das igrejas foi recomendado pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e foi puro jogo de cena. Bolsonaro seguiu a recomendação porque se tivesse concedido o perdão poderia ser questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e, inclusive, ser alvo de um pedido de impeachment por incorrer em crime de responsabilidade. Para compensar, sugeriu a derrubada do veto no Congresso e também se mostrou disposto, caso a decisão não seja revertida, a enviar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para garantir a isenção das igrejas. Nas mídias sociais, o presidente confessou que “caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo”. “No mais, via PEC a ser apresentada nessa semana, manifestaremos uma possível solução para estabelecer o alcance adequado para a imunidade das igrejas nas questões tributárias”, afirmou. O veto foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) na segunda-feira 14. Dois dias depois, o presidente se reuniu com membros da bancada evangélica para dizer seus pleitos, de um jeito ou de outro, serão atendidos.

“Caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo” Jair Bolsonaro, presidente da República

Bolsonaro sancionou, porém, outro dispositivo que estabelece que valores pagos a religiosos não podem ser considerados remuneração para fins de contribuição previdenciária e invalida autuações da Receita Federal. Na prática, o projeto concede anistia retroativa à cobrança de impostos previdenciários nas remunerações pagas a membros religiosos, como os pastores. A proposta tenta fazer valer o entendimento que os valores pagos não são remunerações. Mas para o Fisco, trata-se apenas de uma manobra tributária. Algumas igrejas pagam salários para seus funcionários seguindo o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Outras, que trabalharam pela mudança das regras, consideram a remuneração como doações, na tentativa de se livrar de qualquer contribuição.

Proteção tributária

A proposta de anistia dos tributos das igrejas foi criada pelo deputado federal David Soares (DEM-SP). Ela altera a lei que instituiu a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), em 1988, e tira os templos religiosos da lista de pessoas jurídicas que devem pagar o tributo, além de anular autuações que envolvam a cobrança da contribuição. David Soares é filho do pastor R.R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, uma das principais devedoras do governo. A justificativa para a proposta é que a Constituição dá proteção tributária às igrejas, um argumento que é contestado, já que a isenção é limitada a impostos e não atingem contribuições sociais. Além disso, há ressalvas feitas pelos auditores da Receita Federal sobre as vantagens indevidas que a proposta representa. O Sindifisco, entidade sindical que reúne os auditores, considera a proposta “um atropelo na lei para beneficiar alguns contribuintes”.

A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional é formada por 195 dos 513 deputados federais e por 8 dos 81 senadores. O presidente da bancada religiosa da Câmara, Silas Câmara (Republicanos-AM), diz ter maioria para reverter o veto presidencial e manter o perdão às igrejas do pagamento de dívidas com a Receita Social e a isenção do pagamento da CSLL. Na terça-feira 15, houve uma reunião da bancada em que se definiu a estratégia que será adotada de agora em diante. Deputados presentes ao encontro disseram que a maioria é favorável à derrubada do veto e à abertura de um diálogo sem atritos com o governo para a construção de uma proposta à emenda da Constituição que pacifique as questões relativas à imunidade tributária das igrejas. Para derrubar um veto presidencial é necessário o apoio da maioria absoluta dos parlamentares das duas casas: 257 votos na Câmara e 41 votos no Senado. E pelo jeito, não será difícil para a bancada evangélica atingir seus objetivos.