O jornalista Jamil Chade fez um excelente trabalho nas últimas semanas acompanhando as discussões em torno de uma nova resolução sobre direitos das mulheres que ocorreram no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Chade mostrou que o Brasil se aliou a países fundamentalistas islâmicos como Arábia Saudita, Catar, Bahrein e Paquistão, e também a países autoritários como a Rússia, na tentativa de impedir que as expressões “direito à saúde sexual e reprodutiva” e “direito à educação sexual” constassem da resolução que procura proteger meninas e mulheres da violência e da discriminação.

Nesta sexta-feira, enquanto todos os países do Ocidente cerraram fileiras para aprovar o texto, o Brasil se absteve de votar. Isso nada mais foi que uma maneira covarde e hipócrita de continuar defendendo a mesma posição retrógrada.

Depois da sessão na ONU, em um novo arroubo de hipocrisia, o Itamaraty elogiou a nova resolução – apressando-se, no entanto, em observar que ela não deve ser interpretada como “apoio ou incentivo ao aborto”.

Há maneiras mais dignas de fazer oposição ao aborto do que servir de comparsa a países que vão muito mais longe, e também querem impedir mulheres de ter acesso a informação, atendimento médico e apoio judicial em questões ligadas à sexualidade. Essas são pautas medievais, obscurantistas, que o Itamaraty escolheu abraçar.

Durante a campanha presidencial, Jair Bolsonaro alardeava que o Brasil não seria mais complacente com ditaduras de esquerda caso ele ganhasse as eleições. Depois de um ano e meio de governo, fica evidente que a sua opção é apenas por um tipo diferente de estupidez.

No Itamaraty de Bolsonaro e do chanceler Ernesto Araújo (que o presidente chamou de “irmão gêmeo” nesta semana), saem Cuba e Venezuela, para que entrem Afeganistão, Líbia e Sudão – outros países que hoje também adotaram a estratégia da abstenção.

Ou melhor: para ficar ao lado de países fundamentalistas que menosprezam as mulheres e fazem a diplomacia da burca, o Brasil deixou  a companhia de todos os países avançados que compõem o Conselho da ONU, dos Estados Unidos à Alemanha, da Holanda ao Japão. É vergonhoso. Não poderia ser pior.