A goiana Marília Mendonça, de 22 anos, é a voz do momento no Brasil. Em uma ascensão meteórica desde que lançou seu primeiro disco, em 2016, a cantora agora se consolida como o maior fenômeno da música popular dos últimos tempos. Em números absolutos, ela superou o furacão Anitta, deixou para trás as estrelas internacionais que dominam a parada de sucessos global e hoje suas gravações tocam mais nas rádios e serviços de streaming de música do País que o maior hit do ano passado, a latina “Despacito”.

Conhecida como rainha da sofrência por falar de temas como traição e dor de cotovelo, Marília lidera um movimento que coloca em evidência mulheres como Simone & Simaria e Maiara & Maraísa, toda integrantes do que ficou conhecido como “feminejo”. O ritmo domina a trilha sonora de festas deste verão, à frente de axé, funk e pop nas listas dos DJs que bombam nas baladas. “Como diz a música que eu canto ao lado das minhas parceiras Maiara e Maraísa, ‘você tem que aceitar que elas vieram para ficar’”, diz Marília a ISTOÉ.

Ela, por enquanto, está ficando. Foi a cantora brasileira mais acessada no YouTube em 2017, gravou seu primeiro DVD ao vivo em um show para 40 mil pessoas em Manaus e cumpre uma agenda de shows capaz de percorrer Guarapari (ES), Tamandaré (PE) e João Pessoa (PB) em apenas três dias. Para Marília, uma das explicações desse sucesso é dar voz às mulheres: “O público feminino não tinha as suas experiências expostas nas composições. Era sempre o lado masculino da história”, afirma.

Ainda que a explicação dela faça todo o sentido em tempos de empoderamento feminino, não [e apenas de fãs mulheres que vive o “feminejo”, preferido também pelo público masculino. No site de um dos 125 fã-clubes dedicados à estrela é comum encontrar mensagens de rapazes que se dizem loucos por ela e que têm o sonho de tirar uma foto com a musa.

Poética da farra

A atual preferência do público por artistas como Marília Mendonça e suas colegas de “feminejo” mostra que a música sertaneja encontrou um pico de popularidade graças a uma inédita renovação de valores ligados à questão de gênero, o que acompanha uma tendência de comportamento da sociedade em outros campos.

No caso da música sertaneja, é evidente a identificação dos ouvintes com os temas retratados nas letras. “A pessoa já passou pela mesma situação ou conhece alguém que já passou”, diz Marília Mendonça, referindo-se ao que canta em sucessos como “Traição não tem perdão”, “Amante não tem lar” ou “A gente não se aguenta”.

Ainda que as desilusões amorosas prevaleçam, a mensagem é de esperança. “As canções são otimistas, falam do encontro, da conquista”, diz o historiador Gustavo Alonso, autor do livro “Cowboys do Asfalto – Música sertaneja e modernização do Brasil”. É o que ele chama de “poética da farra”, o que inclui extravasar as mágoas, muitas vezes com a ajuda de um pileque, como em “Loka”, de Simone * Simaria com Anitta, que fala sobre uma noite de balada.

A dominância do sertanejo também passa por sua facilidade em se misturar a outros gêneros. MC Kevinho, um dos principais representantes do funk paulista, agora canta ao lado de Naiara Azevedo, outro nome importante do “feminejo”. Wesley Safadão começou a carreira cantando forró,mas agora aderiu ao acordeão e fez parcerias com Luan Santana e Matheus & Kauan.

Até o carioca Nego do Borel também entrou na onda, cantando “Esqueci como namora” ao lado de Maiara & Maraísa. Esse sentimento de união se reflete na maneira como a maior parte do público consome toda essa produção musical: sem preconceitos. Isso explica também a forte penetração do sertanejo atual em ambientes antes refratários ao sotaque caipira por serem redutos do axé, do funk e do pop internacional.

O tempo costuma dar o devido crédito aos grandes artistas. Milionário & José Rico foram questionados por incorporar gêneros alheios à música caipira. Hoje, são lendas. Duplas mais novas, como Chitãozinho e Xororó e Zezé di Camargo e Luciano, com visual e influência dos artistas americanos, foram repudiados pelos conservadores.

Agora, é comum que artistas mais novos reinterpretem canções como “Evidências”, já consideradas clássicas. Movimentos de inovação costumam se alternar com outros que valorizam a tradição da música sertaneja. “Isto é o Brasil, com suas fusões e hibridismos”, diz Alonso. Na música, as diferenças são aceitas de maneira natural.