Antonio Tabet costuma dizer que quando chegou à internet era tudo mato. E, neste terreno fértil, o publicitário e ex-roteirista do programa do apresentador Luciano Huck acabou criando um dos blogs de humor de maior êxito da rede mundial no Brasil. O Kibe Loko foi tão bem sucedido que acabou puxando outro sucesso estrondoso, o Porta dos Fundos. No ar desde 2012, o canal é um fenômeno no YouTube e já contabiliza 16,4 milhões de inscritos, batendo a marca de 120 milhões de visualizações por mês com vídeos lançados três dias por semana. Os números chamaram atenção do conglomerado americano ViacomCBS, dono de marcas como Paramount Pictures e MTV, que, em 2017, se tornou sócio majoritário do negócio, por um valor estimado pelo mercado em US$ 11 milhões. Em entrevista à ISTOÉ, Tabet vê uma grave crise política. “Vejo beligerância, raiva, revanchismo, intolerância, preconceito e vejo dois extremos distantes do que o povo mais precisa”, diz o produtor cultural.

Como vê a situação política hoje?
Eu lamento muito a situação política do País hoje justamente porque não vejo política na situação. Vejo beligerância, vejo raiva, vejo revanchismo, vejo intolerância, vejo preconceito e vejo dois extremos distantes do que o povo mais precisa. Para piorar, o país segue sem investir em educação porque ela é o antídoto contra uma classe política de ineptos cada vez mais desqualificados. Acho que o núcleo do governo Bolsonaro se isola e se desgasta cada vez mais. Acho que falta senso de prioridade para nossa oposição e sinto falta de generosidade e de empatia nas nossas antigas lideranças para encontrarmos novas.

Dá pra fazer humor com tanto mau humor em volta?
Dá. Mau humor pode ser engraçadíssimo.

Como você vê a posição do Brasil, e do presidente Jair Bolsonaro, em relação ao avanço da pandemia de
coronavirus?
O país está um pouco à deriva porque a postura de Bolsonaro em relação à pandemia é irresponsável. Para não dizer criminosa. Incentivar as aglomerações populares nas manifestações do último dia 15, cumprimentar as pessoas ainda suspeito de estar com o vírus e promover a desinformação subestimando a gravidade da atual situação são ações mais que suficientes para que instituições que ainda resistem neste país e a sociedade civil (que o apoia cada vez menos) deem um passo à frente para que um inconsequente não afunde de vez o país.

Você acha que a posição dele pode, de alguma maneira, levar ao descrédito agora entre aqueles que antes o defendiam?
Eu sei que todos nós hoje vivemos em nossas bolhas, mas, todo dia, conheço um ex-bolsonarista e não vejo nascer um novo. Não só na vida pessoal, mas publicamente noto isso também. Outro dia foi a Janaína Paschoal, por exemplo. E, de novo, as manifestações modestas do dia 15 provam que sua base está se esfacelando.

Você acha que a Regina Duarte pode surpreender no comando da cultura?
Não. Não acho que ela vá surpreender positivamente porque, nas entrevistas e depoimentos que pude acompanhar, vi que ela não entende conceitos básicos de democracia e é muito limitada para compreender que a cultura vai além dos estereótipos que ela e seu antecessor afastado julgam pertinentes.

Como você acha que pode ser a atuação dela no cargo?
Parafraseando Roberto Alvim, ou Goebbels, será emocional, imperativa, vinculada às aspirações bolsonaristas ou não será nada.

Está ficando mais difícil trabalhar na internet com essa polarização política, religiosa?
Depende. Se você se refere às críticas, não tanto. Minha história na internet é mais ativa que passiva. Não dou muita atenção aos comentários. Aprendi que isso não é construtivo. Ainda mais nas redes sociais infestadas de fakes e anônimos. Deve estar mais difícil é almoçar com toda a família ou debater com amigos no Facebook. Mas isso é para quem está com mais tempo que eu. (Risos) Agora, Se você se refere às tentativas de censura, sim. Precisamos estar mais atentos que nunca.

Você teme a censura? Ela voltou ao Brasil?
Não acredito que a censura voltará como foi um dia. Mas temo que a censura volte disfarçada. Hoje, há muitas formas de censura camuflada. O terrorismo é uma delas. Outras são a asfixia jurídica ou o uso do aparelho estatal para burocratizar processos. Precisamos, a sociedade e a imprensa, estar vigilantes e em contato constante com a comunidade internacional.

Você começou como publicitário, virou roteirista de programa do Huck, depois mergulhou na internet com o humor e acabou no jornalismo. Como unir tanta habilidade, ou todas têm o mesmo fundamento?
Só acho que não “acabei” no jornalismo. Volta e meia, tenho a sensação que nem comecei ainda. Acredito que todas essas atividades têm doses diferentes de criatividade e responsabilidade. No fim das contas, o que gosto de fazer esteve sempre aqui ou ali.

Você diz que quando chegou, “a internet era tudo mato”. Como vê hoje o desenvolvimento da rede mundial?
É um salto tão grande para a humanidade que nem pousamos ainda. E talvez nem pousemos porque há sempre novos impulsos no meio do caminho. É impossível voltar vinte casas nesse jogo da vida e pensar no mundo antes da internet. Para as novas gerações então, é um elemento como a água.
Indispensável, vital. Nada se desenvolveu tanto como a comunicação nos últimos tempos. E, talvez por isso, ela agora tenha um protagonismo e ajude causas importantes e que andam desamparadas, como meio ambiente e desigualdade social. A internet, tão usada para o mal, tem tudo para mobilizar o planeta em torno de pautas positivas.

Tem espaço para opinião de todo mundo mesmo?
Infelizmente sim. Apesar de ser um liberal, lamento que a internet, nesse aspecto, tenha se tornado um aglutinador para pensamentos tão obscuros e reprováveis que já estavam condenados à extinção. A internet é uma metrópole viva e aberta 24 horas. É aquela velha analogia: um neonazista que vive no interior do Piauí estava fadado a mudar de ideia ou morrer na melancolia. Um neonazista em São Paulo acha pares. Hoje, na internet, todos se “encontram”. Vemos isso com a disseminação de fake news, grupos terroristas etc. É o ônus do bônus.

E você parece que encontrou a fórmula do sucesso em meio a tudo isso. Como se faz isso?
Com autenticidade, originalidade, capricho e muito trabalho. A relação demanda e procura mudou absurdamente nos últimos vinte anos. Ninguém é mais obrigado a assistir a algo porque está na TV, que virou uma “lareira” na sala. Hoje, todo mundo tem uma emissora no bolso. Se o público não sentir verdade no que faz, você não passa da largada.

Como você recebeu todo o ataque que o Porta sofreu, tanto na rede como até uma bomba, após o filme “A última tentação de Cristo”?
Os ataques nas redes são bastante comuns e “saem na água” como dizemos porque normalmente são neutralizados pelos elogios. Sempre que o Porta sofreu com boicotes, ganhou novos inscritos mais jovens, o que até ajudou a renovar e qualificar a nossa audiência. Agora, o atentado terrorista foi lamentável sob todos os aspectos porque foi o primeiro no país desde a redemocratização e serviu para mostrar que vivemos, de fato e não mais na teoria, uma época na qual a violência institucionalizada virou licença para se ferir direitos básicos em nome de fundamentalismo político-religioso. Imagine que país esse aqui será de qualquer um se achar no direito de jogar bombas em quem não gostar.

O que você achou da impunidade do autor do ataque e da falta de posicionamento do governo?
Um escárnio. Um absurdo completo. E para brincar de empatia aqui, tão em baixa nos dias de hoje, basta perguntar a qualquer conservador bolsonarista como ele estaria se sentindo se um terrorista confesso, ex membro do PT, tivesse atirado uma bomba na produtora da Regina Duarte, tivesse fugido para a Rússia alegando ter sido avisado previamente da prisão e o presidente Lula e seu ministro não tivessem falado nada sobre isso. Agora troca PT por PSL, Regina Duarte por Porta dos Fundos, Lula por Bolsonaro e temos o cenário de agora comemorado pelo cidadão que se julga “de bem”.

Como vocês trabalham no Porta dos Fundos? Trabalham coletivamente no roteiro, produção e execução?
Nosso processo de criação é bastante individual. Cada um pensa nos seus roteiros sozinho e, em seguida, lemos em conjunto. Fazemos isso toda semana. Os reprovados vão direto para o lixo, os que precisam de ajustes voltam para os autores (ou outro autor pega para mexer) e os aprovados vão para a produção. Depois, ainda improvisamos alguma coisa no set. Mas a maioria dos roteiros e especiais é de um autor só. O fato de ser um grupo heterogêneo ajudou o Porta. Eu escrevo os roteiros mais cotidianos. Esteves os mais surreais. Fábio os religiosos. E por aí vai.

Hoje o Porta já é uma grande produtora de filmes, contando até com sócio investidor. Quantas pessoas estão envolvidas no projeto? Já dá lucro?
O Porta dá lucro há muito tempo. Acho que prejuízo mesmo deu só nos primeiros meses, quando tirávamos dinheiro do bolso para colocar os vídeos no ar. Isso é curioso porque começamos como empreendedores de uma startup que se transformou numa empresa privada rentável, com sócio majoritário multinacional americano, empregando dezenas de funcionários e ainda há quem nos chame de comunistas. Talvez pelo fato de mantermos o espírito de trupe. Ou por causa do Gregório (Duvivier).

O canal acabou exportando vários talentos para a TV aberta, como vocês administram a rotatividade dos participantes?
É um processo que era mais natural é inevitável no passado que hoje em dia. Hoje, nosso elenco sabe que pode ser mais lucrativo e prazeroso ficar no Porta que ir para a TV. Mesmo assim, o Ian brinca dizendo que somos a “Malhação” dos programas de humor ruins do Multishow. Temos boa relação com todos os atores que saíram. Alguns já manifestaram vontade de voltar. Outros estão bem onde estão. E para a gente também foi legal essa rotatividade porque acabamos descobrindo novos talentos.

Como você vê a influência que o canal teve no humor que hoje é feito não só na televisão brasileira como também no teatro e cinema?
Total. Temos certeza absoluta que, se não fosse pelo Porta dos Fundos, nenhum dos novos programas de humor da Globo estaria no ar e ainda estaríamos ouvindo bordões como “Isso é uma bichona!” no horário nobre do Zorra. Falando agora, parece coisa dos anos 80, 90. Mas é de cinco anos atrás apenas.

Quais serão os rumos das redes sociais, porque os jovens parecem estar abandonando Facebook e Twitter e só mantêm um Instagram ou acessam o Youtube para ver o que querem. Como vê esse movimento?
Na internet, qualquer exercício de previsibilidade é inútil.
Até porque dependemos de engenheiros nessas horas. O que era o Instagram há quatro anos? O Facebook há sete? Ninguém sabe qual será a rede de amanhã. O Tik Tok, por exemplo, está com tudo hoje em dia e a maioria das pessoas não faz ideia do que estou falando. Os jovens fogem do Facebook porque querem ter privacidade longe dos “velhos” da família discutindo política. Um problema que minha geração não teve porque nossos pais nunca estiveram lá no início. É natural.

Você apostou também em um projeto de jornalismo, o MyNews, quando muitos atacam a atividade. Acha que o jornalismo tradicional não está acompanhando as mudanças impostas pela digitalização?
Há uma pesquisa que diz que um furo de reportagem, nos dias de hoje, dura 18 segundos. Ou seja, se uma bomba cair no Congresso e a ISTOÉ for a primeira fonte da nota, segundos depois a concorrência dará a mesma notícia. Isso deixou de ser relevante. Há inúmeras formas de alguém se informar. Ser o primeiro a saber de algo pode ser importante para ganhar seguidores no Twitter ou moral no grupo de WhatsApp, mas o jornalismo hoje precisa de opinião boa. Nesses tempos polarizados, criamos o MyNews para ter isso: opinião de qualidade, imparcial, variada e em falta na sociedade polarizada.

Por que os veículos tradicionais estão tendo tantos problemas nessa virada digital?
Porque ainda encaram a internet como rival de si mesmos. Jornal e revista de papel não podem ver a página na internet ou o perfil na rede social como um inimigo que vai tirar assinante.

Tem de ver como um braço aliado.
E se essa transição trouxer prejuízos, a criatividade comercial precisa estar afiada para não afastar o leitor, o ouvinte e o espectador com o famigerado “Quer continuar lendo? Assine aqui”.

Você já fez também a comunicação do Flamengo. Trabalhar com a paixão pelo futebol foi estimulante ou frustrante?
Foi uma aula e um aprendizado enorme ao mesmo tempo. Por um lado, desenvolvi com meu time toda a Comunicação online do Flamengo, que estava abandonada. Saímos do zero e levamos o clube à terceira colocação no ranking mundial de crescimento, atrás apenas de Real Madrid e Manchester City. Passamos gigantes como Barcelona, PSG, Bayern e todos os demais europeus. Chegamos ao primeiro lugar isolado no país e hoje é fonte de renda para o clube. Por outro lado, foi uma batalha e tanto tentar ser profissional num ambiente passional e irracional como o futebol.

Você se envolve na parte financeira de todos os negócios ou delega essa função ao pessoal especializado?
Delego. Aí é demais. Há um pessoal que me ajuda com isso e nem me atrevo a estudar o assunto. Tenho minhas preferências, mas não tenho tempo ou interesse para analisar isso a fundo.

Já conhecemos o Tabet engraçado do Porta. Mas como é o Tabet investidor? Conservador ou arrojado?
Conservador. Passos curtos, porém seguros. Sempre.

Você tem aprendido mais agora com o canal MyNews ou jornalismo era um assunto que você já gostava?
Tenho aprendido bastante com meus colegas. Eu já conhecia do assunto porque trabalhei com jornalismo por muitos anos e, no Flamengo, tive contato com profissionais ótimos e péssimos. Foi pedagógico, diria.

Se você tivesse de escolher, qual papel lhe agrada mais, o de publicitário, roteirista, ator, diretor ou investidor?
Gosto um pouco de tudo, mas tenho curtido ser apresentador também. Essa não estava na sua lista. (Risos)