Daniela Thomas até hoje se arrepende de uma frase que disse no debate sobre Vazante, após a exibição de seu longa no recente Festival de Brasília. Em fevereiro, o filme havia estreado internacionalmente em Berlim, onde o discurso da diretora sobre a escravidão no Brasil ganhou plateias respeitosas, senão entusiasmadas. Em Brasília, foi diferente. Daniela, parceira de Walter Salles em filmes importantes, quis fugir à representação hollywoodiana do tema, no qual existe sempre um capataz ou proprietário sádico para oprimir os escravos.

Em seu filme, ela optou pelo que chama de “representações sutis da violência” – uma violência cotidiana, permanente, espécie de banalidade do mal. O proprietário branco tem a posse dos escravos e da mulher, que, nesse caso, é pouco mais que uma menina. Conceitualmente, Vazante é sobre o que a diretora chama de “sadismo do Estado”. Ao sinhozinho, tudo. É um sistema baseado em castas e classes. Em Brasília, nada disso foi assimilado como Daniela esperava. Ela foi massacrada no debate por representantes da comunidade negra, que a acusaram de despir seus escravos de subjetividade e humanidade. Acuada, Daniela chegou a dizer que, se soubesse dessa reação, não teria feito seu filme – e agora se arrepende da fala.

Vazante faz sua estreia na 41.ª Mostra. O filme terá a primeira de três apresentações no evento às 21h30 desta quarta, 25, no Espaço Itaú Frei Caneca 1. Haverá debate com a diretora após a exibição. No ano passado, a Mostra já promoveu um acalorado debate sobre negritude e representatividade, tomando como ponto de partida O Nascimento de Uma Nação, a versão de Nate Parker para as confissões de Nat Turner, o escravo que promoveu um banho de sangue nos EUA, no século 19. O Brasil está dividido nas redes sociais. Daniela não é, por seu retrospecto, inimiga do povo nem reacionária. Mas é branca, nascida numa família de intelectuais, o que faz diferença. A questão é como se dará esse debate na noite de hoje.

Não será a única polêmica do dia. The Square também terá nesta quarta sua primeira exibição na Mostra – às 21h20, na Sala 3 do Belas Artes. É a pergunta que não quer calar – quem bancou a Palma de Ouro para o filme do sueco Ruben Östlund? Na coletiva de apresentação do júri, em Cannes, em maio, Pedro Almodóvar disse que seria um presidente democrático. Após a premiação, chorou – falando sobre 120 Batimentos por Minuto, de Robin Campillo, que era seu favorito. The Square, literalmente “o quadrado”, é sobre a arte – como conceito e mercado. O protagonista é diretor de um museu de arte moderna. Banca a vanguarda, mas é atropelado por um vídeo feito para ‘causar’ e que viraliza na internet. Östlund aborda a ditadura do politicamente correto, o que, em princípio, poderia ser interessante, mas não é. O estilo radical é o mesmo de Força Maior, seu longa anterior. Gostar ou não, eis a questão.

DICAS DESTA QUARTA

Custódia

O longa vencedor do prêmio de direção em Veneza. O francês Xavier Legrand e o drama de garoto dividido pela disputa entre os pais no tribunal.

Cinecittà Babilonia

O italiano Marco Spagnoli revisita o cinema italiano dos anos 1930, mostrando como o fascismo construiu o grande estúdio segundo os modelos de Hollywood.

Feio

Ulrich Seidl produz e Juri Rechinsly dirige a história de mulher que sofre acidente de carro. A vida como pesadelo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.