VATICANO, 22 JUN (ANSA) – O Vaticano enviou uma carta ao governo da Itália pedindo modificações em um projeto de lei que criminaliza a homofobia e a transfobia.   

O texto já foi aprovado pela Câmara dos Deputados no ano passado, mas enfrenta obstrução de partidos conservadores no Senado.   

Segundo o jornal Corriere della Sera, o secretário do Vaticano para Relações com os Estados, monsenhor Paul Gallagher, mandou uma carta à embaixada italiana na Santa Sé dizendo que a proposta viola o chamado “Concordato”, acordo de 1984 que regula as relações entre os dois países.   

De acordo com Gallagher, “alguns conteúdos da proposta legislativa em exame no Senado reduzem a liberdade garantida à Igreja Católica” pelo tratado.   

Entre os pontos contestados pela Santa Sé está o fato de que as escolas católicas não seriam isentas de participar do futuro Dia Nacional contra a Homofobia, data estabelecida na lei para lembrar as vítimas de discriminação na Itália. Além disso, o Vaticano demonstra preocupação que sacerdotes enfrentem consequências jurídicas pela expressão das próprias opiniões.   

“Pedimos que nossas preocupações sejam ouvidas”, diz a carta assinada por Gallagher. Questionada pela ANSA, a Sala de Imprensa do Vaticano disse que a solicitação está em uma “nota verbal” entregue “informalmente” no último dia 17 de junho.   

De autoria do deputado de centro-esquerda Alessandro Zan, o projeto de lei inclui a homofobia e a transfobia nos itens do Código Penal que punem atos de violência e discriminação por motivos raciais, étnicos ou religiosos.   

Com isso, quem cometer ou instigar discriminação por orientação sexual ou de gênero estaria sujeito a penas de até um ano e seis meses de prisão, enquanto atos de violência seriam punidos com até quatro anos de reclusão.   

No entanto, após pressão da própria Igreja Católica na Itália e da oposição conservadora, que qualifica o texto de “liberticida”, foi introduzida uma emenda que isenta de punição as opiniões que não sejam instigações explícitas à violência.   

A lei, por exemplo, não puniria quem defendesse que homossexuais não podem adotar nem se casar, mas sim quem incentivasse ou praticasse atos de violência contra pessoas LGBT+.   

O pacto – O Acordo de Villa Madama, que é conhecido publicamente como Concordato, foi estipulado em 1984 e substituiu o Tratado de Latrão, pacto assinado durante o regime fascista e que reconheceu a soberania da Santa Sé no território do Vaticano.   

Segundo a carta do monsenhor Gallagher, o projeto contra a homofobia viola dois parágrafos do artigo 2 do Concordato. O primeiro estipula que a “República Italiana reconhece à Igreja Católica plena liberdade de desempenhar sua missão pastoral, educativa e de caridade, de evangelização e de santificação”.   

Já o outro garante “aos católicos e às suas associações e organizações a plena liberdade de reunião e de manifestação de pensamento por meio da palavra, de escritos e de qualquer outro meio de difusão”.   

Em entrevista a uma rádio pública, o ex-premiê Enrico Letta, líder da centro-esquerda italiana, reafirmou seu apoio ao projeto contra a homofobia, mas disse estar disponível ao “diálogo”. “Estamos prontos a olhar para os entraves jurídicos, mas defendemos o arcabouço dessa lei que é civilizatória”, destacou.   

Já o porta-voz do Partido Gay pelos Direitos LGBT+, Fabrizio Marrazzo, declarou que a ingerência do Vaticano é “preocupante”.   

“Do jeito que está, a lei já não ajuda a combater preconceitos.   

O que o Vaticano quer? Criar espaços onde as pessoas LGBT+ possam ser livremente discriminadas? Não bastam as mutilações que os parlamentares católicos fizeram na lei?”, acrescentou.   

O posicionamento da Santa Sé deve servir de combustível para as paradas do orgulho LGBT+ das duas maiores cidades da Itália, Roma e Milão, marcadas para o próximo dia 26 de junho. “Iremos às ruas para defender a laicidade do Estado”, prometeu Marrazzo.   

Por sua vez, o ex-ministro do Interior e senador de extrema direita Matteo Salvini agradeceu ao Vaticano pelo “bom senso”.   

“Sempre contestamos o fato de que o projeto Zan fosse uma mordaça contra a liberdade de expressão. Se houver vontade de conversar sobre um texto que não ataque esse princípio, estamos absolutamente de acordo”, disse. (ANSA).