O Vaticano negou, nesta terça-feira (10), ter ocultado os abusos sexuais cometidos pelo ex-cardeal norte-americano Theodore McCarrick, acusado de pedofilia, e se limitou a admitir erros durante a investigação do caso, que abalou a Santa Sé.

Em um relatório de 450 páginas, preparado a pedido do papa Francisco, o Vaticano exclui que houve uma conspiração de silêncio para proteger o influente cardeal, embora reconheça uma cadeia de erros no Vaticano e nos Estados Unidos que favoreceu sua espetacular carreira eclesiástica.

A ascensão ao poder do poderoso arcebispo de Washington, agora com 90 anos, foi possível sob três pontificados – incluindo o de João Paulo II (1978-2005). Ao longo das décadas, os níveis mais elevados do Vaticano rejeitaram os testemunhos de vários seminaristas e bispos.

O influente McCarrick, que por décadas desempenhou um papel fundamental na arrecadação de fundos para a Santa Sé por ricos doadores americanos e se autodenominava “Tio Ted”, foi destituído de seu título de cardeal pelo papa Francisco em 2018 e de sua condição de sacerdote em 2019.

Esta decisão inédita foi tomada ao final da investigação iniciada pelo arcebispado de Nova York, após a denúncia em 2017 de um homem que acusou o prelado de ter abusado sexualmente dele nos anos 1970.

O relatório da Secretaria de Estado, que se baseia em mais de 90 entrevistas com testemunhas e dois anos de consultas aprofundadas dos arquivos disponíveis, insiste que a primeira acusação oficial de pedofilia contra McCarrick foi feita apenas em 2017, após o que o Vaticano reagiu.

– Sem título e fora do sacerdócio –

Por meio século, o padre foi encoberto por outros bispos de seu país, que ofereceram “informações imprecisas e às vezes incompletas sobre o comportamento sexual de McCarrick com jovens adultos”.

Nenhuma vítima jamais apresentou queixa formal.

Após a primeira denúncia e antes dos “graves indícios” revelados na investigação, o papa retirou do bispo McCarrick o título de cardeal e depois o sacerdócio.

O caso abalou a hierarquia da Igreja Católica americana, pouco antes da publicação de um relatório devastador sobre os abusos massivos cometidos na Pensilvânia.

O ex-cardeal, que mora desde setembro de 2018 na pequena cidade de Victoria (Kansas), foi repetidamente acusado de abusar sexualmente de outros menores e de ter relações com seminaristas que convidou para sua casa de praia em Nova Jersey ao longo de muitas décadas.

O relatório revela um sistema dominado pelo silêncio, sigilo e ocultação e a imagem da Igreja é muito desacreditada pelos testemunhos de muitas pessoas que tiveram contato físico com o prelado americano.

Os testemunhos descrevem “abusos e agressões sexuais”, atividades sexuais não consensuais, contato físico e íntimo, bem como suas propostas de compartilhar a cama “sem nada físico”.

Para o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado da Santa Sé e braço direito do papa Francisco, a publicação do relatório representa “uma dor pelas feridas causadas às vítimas, a suas famílias, à Igreja dos Estados Unidos e à Igreja universal”.

Em comunicado à parte, o número dois do Vaticano lembra que a Igreja implementou novas medidas nos últimos dois anos, que obrigam padres e religiosos a denunciarem seus superiores em caso de abusos.

– O papel de João Paulo II –

Parolin reconhece que qualquer processo de tomada de decisão “não está isento de erros” e que houve graves “omissões” por parte dos envolvidos.

O relatório do Vaticano revela que a decisão de sua promoção à sede em Washington em 2000 foi tomada pessoalmente por João Paulo II, pontífice de 1978 a 2005.

Nem seu sucessor, Bento XVI (2005-2013) abriu um processo canônico formal contra McCarrick ou lhe impôs qualquer sanção, além da recomendação de que levasse uma vida reservada, algo que o ex-cardeal não fez.

O relatório menciona várias doações de McCarrick a bispos e autoridades do Vaticano, graças à sua capacidade de arrecadar fundos, mas conclui que esses gestos “não influenciaram as decisões” tomadas pela Santa Sé.

A gigantesca investigação foi ordenada após as virulentas acusações de cumplicidade do ex-núncio nos Estados Unidos Carlo Maria Viganó, que exigiu a renúncia do Papa Francisco em agosto de 2018, mas que segundo o relatório é mais um encobrimento.