Sentados nas carteiras de uma sala da Pontifícia Universidade Regina Apostolorum, instituição romana destinada a estudos religiosos, 250 padres de todo o mundo escutam atentos a uma aula para aprender quais palavras devem ser ditas ao diabo quando incorporado no corpo de alguém. Entre as orientações, o cardeal albanês Ernest Simoni diz que é preciso mandar o demônio calar a boca. Afirma também que é possível livrar uma pessoa de uma possessão por ligação telefônica. Simoni é o professor do curso “Exorcismo e Oração para Libertação”, organizado pelo Vaticano na semana passada que reuniu interessados do mundo inteiro, entre eles pessoas que queriam se tornar assistentes de exorcistas. Na grade do curso há palestras sobre a prática em si, habilidades para se tornar um auxiliar, ensinamentos sobre esoterismo e terapias energéticas. O workshop custa 300 euros, cerca de R$ 1,3 mil. Segundo os organizadores, a formação foi oferecida por causa do aumento da demanda: fiéis estão pedindo aos padres que ofereçam esse serviço. Mas é também uma estratégia do Vaticano para atrair e manter pessoas dentro de suas igrejas.

A prática do exorcismo existe desde o princípio do catolicismo. Na Bíblia há passagens sobre expulsão de demônios. Mas a maneira como o ritual acontece mudou à medida que a Igreja via a necessidade de se adequar a determinados momentos históricos. Até a reforma protestante, no século XVI, era necessário somente ser religioso, e um exorcista aprendia com o outro a lidar com Satanás. No século XVII, a Igreja institucionalizou o exorcismo e estabeleceu regras para o rito oficial, em uma tentativa de fortalecer os próprios dogmas. “Nesse contexto, foi usado como propaganda contra o protestantismo, que renegava hábitos católicos”, afirma o historiador Philippe Delfino Sartin, doutorando da Universidade de São Paulo (USP) com pesquisa em possessões e exorcismo em Portugal no século XVIII. Na época da caça às bruxas, o exorcismo não tinha tanto a ver com demônio, mas sim com feitiçaria. Até hoje, a maioria dos casos tem relação com problemas da vida do fiel, como dificuldades financeiras e depressão. “Situações em que a pessoa se debate violentamente, como no filme ‘O Exorcista’, são mais raras”, afirma Sartin.

O exorcismo voltou à tona partir de 1999, quando o padre Gabriele Amorth, conhecido como o principal exorcista do Vaticano e falecido em 2016, fundou a Associação Internacional dos Exorcistas, a mesma que organiza o curso atualmente oferecido pelo Vaticano. As mudanças ao longo do tempo se tornaram tema de debate no curso deste ano. Questionado se preferia os rituais antigos ou as normas atuais, estabelecidas por Amorth, o cardeal Simoni foi enfático ao dizer que, para Jesus, não fazia diferença, pois “conhece todas as linguagens”. O importante é que o exorcista tenha uma postura enfática com o capeta e reze com força e fé, sem interrupções. Outra dúvida que surgiu durante as aulas foi sobre a diferença entre uma possessão demoníaca e uma doença psiquiátrica, como esquizofrenia ou transtorno bipolar. Simoni afirmou que é importante fazer a diferenciação e que, para um padre, seria fácil reconhecer Satanás, quando fosse esse o caso.

Cartilha

Gabriele Amorth tinha ligação com a Renovação Carismática, corrente do catolicismo que propagou manifestações mais efusivas do que a missa tradicional, aproximando-a dos cultos protestantes. O historiador Sartin salienta que a criação da entidade foi uma resposta ao avanço das igrejas pentecostais que disseminaram pelo mundo seus rituais de libertação, o equivalente ao exorcismo católico. “A Igreja Católica, sentiu que estava perdendo fiéis e quis investir nessa frente, promovendo e regularizando o hábito do exorcismo”, afirma. Poucos padres e congregações praticam o exorcismo no Brasil. Em maio de 2017, a Conferência Nacional dos Bispos dos Brasil (CNBB) lançou uma cartilha com orientações práticas para religiosos.