Com o cenário mundial ainda em fase de retomada da economia devido à pandemia, somado à crescente alta da inflação e das taxas de juros, as redes de varejo têm sentido dificuldades crescentes nos pagamentos de clientes. Em julho, 29% das famílias tinham algum tipo de conta ou dívida em atraso. Esse foi o maior patamar de inadimplência desde 2010, segundo um levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Já o número de famílias endividadas subiu para 78%, um aumento de 0,7 ponto porcentual ante junho. Em relação a julho do ano passado, o crescimento foi de 6,6 pontos porcentuais. O número de brasileiros inadimplentes bateu recorde: 66,8 milhões estão com contas atrasadas, de acordo com dados divulgados pela Serasa Experian.

“As famílias com menor renda foram mais afetadas e aumentaram o endividamento, a despeito dos juros altos, para sustentar seu nível de consumo” Izis Ferreira, economista da CNC (Crédito:Divulgação)

“As famílias com menor renda foram mais afetadas e aumentaram o endividamento, a despeito dos juros altos, para sustentar seu nível de consumo”, explica Izis Ferreira, economista da CNC, responsável pela pesquisa.

Para o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian, os pequenos empresários encontram dificuldades para retornar aos níveis pré-pandemia. “O cenário econômico instável, de inflação crescente e alta da taxa de juros, impacta no poder de compra dos consumidores e segue dificultando a retomada do mercado como um todo”.

Sinal amarelo

A alta na inadimplência, de acordo com o presidente da CNC, José Roberto Tadros, mostra que as medidas de suporte à renda, como os saques extras do FGTS e a antecipação do 13º salário dos beneficiários do INSS, tiveram efeito apenas momentâneo no pagamento de contas ou dívidas atrasadas, concentrado no segundo trimestre deste ano. O aumento dos calotes já apareceu nos números do primeiro trimestre de redes como a Marisa, Riachuelo e Renner, por exemplo – a primeira já anunciou, em seu balanço, que vai aumentar a provisão para eventuais calotes. Já o diretor financeiro da Riachuelo, Túlio de Queiroz, adiantou que pode começar a fechar a torneira de financiamentos, já que a varejista vai ficar mais seletiva na hora das liberações. “Isso claramente é um reflexo da questão macro que estamos vivendo”, disse Queiroz, na mais recente divulgação de balanço da empresa.

As empresas, no entanto, têm de ser cuidadosas ao colocar o pé no freio, uma vez que, seus “cartões de loja” ainda são muito importantes para seu faturamento. Por exemplo, quase 35% das vendas da Renner são feitas pelo crediário próprio. Esse número sobe para quase 39% na sua concorrente Marisa. Nesse momento de alta de juros tanto os grandes varejistas como os pequenos estão com o sinal amarelo aceso. O maior medo de todos é, por exemplo, reproduzir em alguma medida o caso histórico da Arapuã, que havia chegado a liderar a venda de eletrodomésticos no País e quebrou por causa do descontrole com o crédito. Na época, no final dos anos 1990, para controlar a fuga de capital externo com a crise dos “Tigres Asiáticos”, o Banco Central se viu obrigado a aumentar os juros abruptamente, de 20% para 40% ao ano. Resultado: a inadimplência explodiu, e quem não tinha reservas acabou sofrendo com os efeitos da mexida nas taxas.

De forma geral, para Fábio Pina, assessor econômico da FecomercioSP, foram mais as circunstâncias do que as atitudes que levaram ao cenário atual. “Claro que pode ter havido exagero por parte a parte: seja pelos varejistas, que se expuseram demais diante de juros muito baixos, ou pelos consumidores, que, ultrapassaram os limites. Contudo, o grosso desse calote derivou da necessidade, e não dos exageros”.