21/07/2021 - 16:16
Em uma época que não tínhamos fotografias e muito menos celulares com capacidade de fazer selfies, Vincent van Gogh (1853 – 1890) eternizou sua imagem. Segundo o seu museu, localizado em Amsterdã (Holanda), existe apenas uma foto de seu rosto aos 19 anos de idade, mas sua barba e seu cabelo avermelhado ficaram amplamente conhecidos graças a 37 autorretratos que ele produziu. Sem dúvida, essa quantidade é um recorde para um artista pós-impressionista holandês e, também, um marco até para os padrões de hoje.
Embora sua produção artística tenha sido breve, durando apenas uma década, Van Gogh provou ser excepcionalmente prolífico e inovador como artista. Enquanto ele experimentou com uma variedade de ambientes —pintando paisagem, vida morta e camponeses— são seus autorretratos que vieram a defini-lo como um artista de verdade.
Os autorretratos eram pouco usados pelos artistas do século XIX, que acabavam produzindo uma ou outra pintura de seus rostos. Mas, com Van Gogh, nada era vanila. Em seu período de maior produção, sua pintura era intensa, suas cores chamativas e seus autorretratos representavam uma exploração crítica da realização pessoal e estética. Suas primeiras pinturas, escuras e com cenas da natureza e de camponeses, mudaram radicalmente de estilo graças à influência de pintores como Camille Pissarro, Henri de Toulouse-Lautrec e Paul Gauguin. Ele ficou hipnotizado pela arte japonesa e pelos artistas impressionistas da França. Que sorte a nossa!
Dizia que achava as fotos assustadoras e não gostaria de ter nenhuma, especialmente de pessoas que conhecia e amava. A coluna de hoje apresenta 10 curiosidades sobre essas pinturas:
Cada quadro tem um estilo – O autorretrato nasceu como gênero pictórico no Renascimento, período em que os artistas se tornam protagonistas totais da tela e não apenas parte dela. No caso de Van Gogh, o retrato representa muito mais, pois ele se apresenta por completo, externa e internamente, mostrando diferentes visões de sua personalidade de suas emoções, assim como seus tormentos (como a orelha cortada). O fundo das telas sempre desempenha um papel importante na compreensão de seu verdadeiro humor e estado de espírito. Em uma das cartas endereçadas ao seu irmão, van Gogh escreveu: “as pessoas dizem – e eu estou bastante disposto a acreditar nisso – que é difícil conhecer a si mesmo, mas também não é nada fácil se pintar.”
Falta de dinheiro – Van Gogh não pintou por vaidade. Produziu tantos autorretratos porque queria praticar a pintura de pessoas. 27 desses quadros foram feitos quando ele morava em Paris, de 1886 a 1888). Ele estava sem dinheiro na época e tinha dificuldade para encontrar modelos que topassem posar de graça. Então, não tinha alternativa a não ser se usar como modelo. Vale lembrar o que já escrevi em outras colunas: Van Gogh não conseguia vender quadros em vida. Era sustentado por seu irmão, Theo, e apenas após sua morte sua obra ganhou relevância no mercado.
Mistério – A maioria dos autorretratos mostra um homem sério, reservado e com um forte olhar, transmitindo concentração. Mas, cada obra tem uma característica específica e, no último dos autorretratos que produziu em Paris, ele aparece despenteado e triste, com uma expressão de mental e físico. O olhar do artista muitas vezes não é direcionado para o espectador. Na verdade, o olhar parece estar voltado para outra direção, como se estivesse pensando em algo. A intenção de Van Gogh com isso era encorajar o espectador a olhar para o retrato em sua totalidade e descobrir os segredos do olhar e de seu rosto.
Meme – Usando uma analogia atual, os autorretratos de Van Gogh viraram memes no início do século XX, sendo amplamente reproduzidos. Os autorretratos dão um rosto no homem que se tornou o arquétipo do artista como gênio torturado. Suas pinturas mostram seu amor pelo amarelo, pelo sol e pelo chapéu de palha.
Estilo – Há um contraste nítido entre o movimento das pinceladas e a aparente calma do rosto do pintor. A expressão do rosto é muito firme, controlada, mas os redemoinhos de cor criam um contraste nítido, e isso mostra que o pintor está impondo uma certa disciplina a si mesmo, mas depois explode. Todos os autorretratos possuem cores diferentes e fundos que destacam seu rosto. Na maioria das imagens, ele está magro e pálido como um fantasma. As obras com pinceladas inquietas, tons escuros de fundo e a cabeça esbranquiçada com cabelos amarelos são as que mais chamam a atenção pelo contraste das cores. Redemoinhos, ondas e espirais estão presente na maioria das pinturas. Acredita-se que isso representava seu interior nervoso. Outro destaque: o brilho de suas pinturas diminui ao longo do tempo devido a pigmentos tóxicos.
Doença – Dois autorretratos mostram que o pintor estava doente. Em 23 de dezembro de 1888, Van Gogh cortou sua orelha esquerda durante uma crise psicológica, em um dos primeiros de uma série de colapsos mentais que teve. Ele estava relutante em contar para o irmão sobre o incidente em suas cartas e achava que a pintura seria o caminho de sua cura e que o trabalho poderia restaurar sua saúde.
Sanatório – Van Gogh continuou pintando mesmo nos tempos de internação voluntária em um hospital psiquiátrico de Saint-Rémy-de-Provence, no sul da França. “Eu mantenho toda a boa esperança”, dizia. Mesmo trancado em seu quatro, ele produziu a partir dali grandes obras primas. Um de seus autorretratos foi pintado aparentemente em uma única sessão, sem retoques ou ajustes.
Longe de outros artistas – Van Gogh esperava criar uma comunidade de artistas na cidadezinha Arles, mas apenas Paul Gauguin se juntou a ele e, mesmo assim, por pouco tempo. Tinham personalidades e temperamentos artísticos incompatíveis. Vizinhos assinaram uma petição para expulsá-lo de Arles, por seu comportamento estranho e seus contínuos escândalos. Dizem que as brigas, misturadas com colapsos e distúrbios mentais, foram as causas da automutilação de sua orelha.
Produção compulsiva – Em sua curta carreira, Van Gogh pegou um pincel aos 28 anos e morreu aos 37 anos. Nesse curto espaço de tempo, produziu de forma autodidata quase 2.000 pinturas e desenhos. Escreveu mais de 800 cartas, sendo a maioria para seu irmão Théo. Trabalhou intensamente para aperfeiçoar sua arte e para conseguir registar nas telas o verdadeiro estilo e caráter dos modelos.
Todas as obras juntas – Ano que vem, de 3 de fevereiro a 8 de março, a maior parte dos autorretratos de Van Gogh estará reunida pela primeira vez em uma grande exposição que está sendo planejada pela Galeria Courtauld, de Londres. Diversos museus já emprestaram suas obras, como Art Institute of Chicago, Instituto de Artes de Detroit, National Gallery of Art de Washington. Nos últimos meses de vida, realiza várias obras, sobretudo sobre a natureza, mas pinta apenas um autorretrato, que se encontra no Musée d’Orsay (Paris). Esse último autorretrato estará na exposição, destacando o controle magistral de cores e o poder de observação de Van Gogh. O fundo azul do quadro parece as fortes pinceladas que estão na obra-prima “A Noite Estrelada”, com linhas próximas, enroladas e onduladas com a mesma intensidade.
Se as viagens que estão restritas por causa da Covid-19 retomarem, eu espero realmente estar em Londres no ano que vem para ver essa exposição. Se desejar saber mais sobre um artista ou se tiver uma boa história sobre arte para me contar, aguardo contato pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou Twitter.