O Banco Central vai criar um “gabinete verde” para fomentar o crédito rural sustentável. A agenda socioambiental da instituição prevê também uma linha para bancos com benefícios para iniciativas relacionadas a investimentos sustentáveis. O BC também estuda, com o Ministério da Economia, ampliar limites de financiamentos rurais com características verdes. Essas medidas fazem parte do pilar de sustentabilidade recentemente incluído na agenda estratégica BC# para os próximos anos. O lançamento da agenda acontece num momento em que o Brasil sofre pressão internacional por conta da preocupação com a destruição do meio ambiente. Na primeira entrevista desde que assumiu o cargo, em maio de 2019, a diretora de assuntos internacionais e gestão de riscos corporativos do BC, Fernanda Nechio, diz que a pandemia acelerou o debate da sustentabilidade. “É uma demanda da sociedade ter uma recuperação (econômica) mais sustentável.” A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão:

A pandemia da covid-19 tornou mais importante essa agenda sustentável que o BC defende?

A covid acelerou esse debate de sustentabilidade. É uma demanda da sociedade ter uma recuperação (econômica) mais sustentável. É uma agenda nova.

A inclusão do pilar de sustentabilidade na agenda BC# é uma mudança de postura do banco?

O BC é bem pioneiro. É responsabilidade do sistema financeiro olhar para as questões socioambientais e as características legais dos empréstimos concedidos. Desde os anos 2000, o banco tem um histórico com várias iniciativas regulatórias relacionadas à mitigação de riscos socioambientais. Diversos BCs citam a regulação do BC brasileiro como exemplo. Em 2014, o BC lançou uma resolução sobre responsabilidade socioambiental, um marco regulatório com diretrizes para o sistema financeiro.

E daqui para a frente?

Essa agenda tem caminhado rapidamente. E a intenção do BC é estar na fronteira de atuação nessa área. Cada pilar da agenda BC# responde às mudanças estruturais da economia ou a demandas da sociedade, como foi a agenda tecnológica.

Quais seriam as mudanças na economia para a sustentabilidade do sistema financeiro?

O jeito mais fácil de mostrar é olhando as mudanças climáticas. Por muito tempo, nós olhávamos para eventos extremos e achávamos que aconteciam pouco frequentemente. Tem uma percepção generalizada agora de que os eventos extremos estão se tornando muito mais frequentes.

E como o BC pode atuar?

Essa agenda está no cerne do mandato do BC, que é garantir estabilidade de preço e um sistema financeiro sólido e eficiente. Choques climáticos afetam preços relativos e a estabilidade de preços. Esses choques climáticos estão se tornando mais frequentes. Passam a ser um novo risco e uma variável para levarmos em conta nas decisões de política monetária. Cabe ao regulador levar em conta esses novos riscos para garantir o ambiente estável.

Qual é o foco dessas medidas?

É importante garantir que o sistema atue nessa agenda, como também o BC liderar e dar o exemplo. Entre as medidas internas, queremos unificar uma cultura de sustentabilidade dentro do BC. Teremos uma semana verde no BC, no fim de fevereiro, convidando pesquisadores e especialistas para amplificar essa cultura socioambiental no banco.

E as políticas para fora do BC?

Uma regulação que será obrigatória para o sistema financeiro é implementar as recomendações do TCFD (sigla em inglês para a Força-tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas), uma lista de recomendações do G-20 para trazer mais transparência na atuação das instituições e como elas afetam os riscos climáticos e socioambientais no business delas. É um movimento muito importante e estamos bem pioneiros. A França começou recentemente, e a Inglaterra tem um plano de começar.

Como o BC pode estimular ativos verdes?

Temos uma medida para montar uma linha financeira de provisão de liquidez para o sistema financeiro com foco ambiental. Está ainda em estudo, não tem parâmetros definidos, mas seria, por exemplo, prover liquidez para o sistema com algum tipo de benefício para iniciativas que forem relacionadas a investimentos sustentáveis. Estamos estudando como fazer isso, mas poderiam ser benefícios via taxa, em termos de colateral (ativos que são dados como garantia) ou volume.

Como a legislação do BC pode estimular modelos de financiamento verde?

Temos duas medidas importantes. A primeira delas é que vamos criar o que chamamos de bureau (gabinete) verde do crédito. Quando as instituições financeiras fazem empréstimos, elas colocam as características desses financiamentos no Sicor (Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro) do BC. O que estamos desenvolvendo é colocar dentro desse sistema opções para serem preenchidas de características sustentáveis do crédito rural.

Como essa medida pode ajudar esse mercado?

Um dos principais problemas que a agenda de sustentabilidade tem no mundo é o custo de informação. É muito caro ter informação, como um selo ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês). Essa iniciativa melhora exatamente esse custo de informação, quando um produtor consegue um crédito rural. Num ambiente de open banking, se as instituições financeiras autorizarem, essa informação poderá ser pública. Barateia o custo de informação e tende a fomentar o crédito com característica sustentável.

Quais são as outras medidas?

Estamos estudando, junto com o Ministério da Economia, o aumento dos limites de contratação de crédito rural que tenham características verdes. Vamos amplificar o tipo de informação que o BC requer das instituições no âmbito de riscos socioambientais.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem sido enfático sobre o fator ambiental poder reduzir a entrada de investimentos internacionais no País. Como a sra. vê essa questão?

Vemos, no mercado financeiro, as instituições refletindo as demandas dos investidores por um sistema financeiro mais sustentável. Quando falei sobre a motivação para os pilares da nossa agenda (mudanças estruturais e demandas da sociedade), a parte de demanda está relacionada com os comentários do Roberto. O Brasil definitivamente precisa de investimentos externos. Temos muitas oportunidades de investimentos dentro do Brasil.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.