O Democratas deu um show à parte na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, no começo desta semana.

Rodrigo Maia, até então um dos principais caciques do partido, havia se esforçado para construir uma coalizão em torno de Baleia Rossi (MDB-SP), o candidato que ele resolveu bancar para sucedê-lo na chefia da Casa. Onze legendas atenderam, ao menos nominalmente, ao seu chamado. Do PT ao PSL, passando pela Rede, pelo PSDB e pelo próprio DEM.

Na véspera da votação, Maia ficou sabendo que seu partido o traíra. ACM Neto, o presidente do DEM, liberou os deputados para votar como quisessem. A maioria queria votar em Arthur Lira (PP-AL), adversário de Rossi e candidato do presidente Jair Bolsonaro.

O estrago foi feio. Há uma possibilidade real de que Maia deixe o DEM. Ele e ACM Neto eram amigos de longa data, daqueles que costumam ficar um na casa do outro quando viajam. Agora a relação está mais que estremecida.

Do seu lado, ACM Neto passou os últimos dias se explicando. Repetiu mil vezes que os votos do DEM para Arthur Lira não vão ser pagos com cargos e verbas. Jura que o partido não aderiu à base de Bolsonaro. E insiste que quando afirmou, numa entrevista à Folha de S. Paulo, que sua legenda pode apoiar a reeleição do presidente em 2022, ele não estava dizendo que sua legenda pode apoiar a reeleição do presidente em 2022. Entendeu?

Mas o que isso tudo quer dizer?

Antes de mais nada, significa que já passou a hora de abandonar essa história de uma frente ampla contra Jair Bolsonaro nas próximas eleições.

Quando essa ideia surgiu, no ano passado, no auge dos arroubos golpistas do bolsonarismo, o PT estragou a festa. Lula disse que não é maria-vai-com-as-outras. Não seria uma bobagem, como a ameaça de um golpe militar patrocinada por Bolsonaro, que o faria andar de mãos dadas com políticos que em algum momento elogiaram a Lava Jato, como Fernando Henrique Cardoso.

Agora, foi o DEM que pulou do barco. Em vez de marcar posição ao lado de outros partidos contra o deputado apadrinhado por Bolsonaro, escolheu seu lado na eleição da Câmara com base em interesses políticos mais, digamos, imediatos.

Sejamos realistas. Gastar energia tentando amarrar várias legendas a uma frente política não vale a pena. Os partidos não agirão como anjos, guiados pela bondade divina. Agirão como partidos, interessados em angariar o máximo de poder e o máximo de recursos que estejam ao seu alcance. Essa lógica nem sequer exclui o surgimento de uma frente ampla, mas às vésperas das eleições, e desde que haja indícios palpáveis de que essa, pragmaticamente, pode ser uma estratégia de sucesso.

Quem acha que Bolsonaro é o pior presidente da história do Brasil e não deve conquistar um segundo mandato, para o bem e a sanidade da nação, tem duas maneiras de canalizar sua energia neste momento.

Uma é vestir a camisa vermelha e trabalhar para reconstruir a imagem alquebrada do PT. Hoje mesmo, Fernando Haddad disse que está pronto para pôr o seu bloco na rua. Duvido que a empreitada dê resultados, porque o antipetismo continua sendo a emoção política mais disseminada no Brasil, como mostraram as eleições municipais do ano passado.

A outra é procurar descobrir quais seriam os motores de uma candidatura competitiva, distante tanto do petismo quanto do bolsonarismo. Já falei muitas vezes desse assunto neste espaço. Não basta discutir nomes, como Huck, Doria, Moro, Mandetta ou seja lá quem for. É preciso, em paralelo, ir testando algumas ideias, para ver se elas ligam os nomes a uma aspiração concreta dos brasileiros.

Dou aqui um exemplo, para quem quiser exercitar a fantasia.

Depois de mergulhar de cabeça no surubão do centrão, Bolsonaro devolveu ao mercado a pauta da “renovação da política”.

O PT não tem a menor condição de encampar esse assunto. Ainda que a Lava Jato tenha perdido um tanto de seu brilho, permanece o fato de que o partido organizou um esquema bilionário de pilhagem da Petrobras. Nenhuma mensagem trocada entre procuradores que atuaram na operação apagará essa verdade.

Mas Bolsonaro tampouco poderá recorrer ao discurso de sanitização da política, como fez em 2018. Todo mundo já sabe que o discurso era lorota. Além disso, ficou claro que fazer cara de torturador, e dizer que o toma-lá-dá-cá está proscrito, não adianta nada. Sem uma verdadeira reforma política – que Bolsonaro jamais propôs – não haverá mudança na lógica do nosso presidencialismo de coalizão (ou cooptação).

Não há dúvida que a solução desse problema interessa aos eleitores. Eles vão prestar atenção, se alguém conseguir falar do assunto de maneira clara e minimamente animada. Desculpem, mas não tenho solução já pronta. Se tivesse, seria marqueteiro político. Como jornalista, só prometo expor aqui alguma ideia que por acaso venha a surgir.