Desde o início da pandemia, o presidente Bolsonaro demonstrou uma curiosa postura diante das consequências do novo coronavírus, como se as mortes por ele causadas fossem obra do destino, fatalidades que devemos enfrentar como fatos da vida.

As poucas vezes em que lamenta as mortes, o presidente sempre adiciona um comentário qualquer minimizando a situação. Um “fazer o que?”, um “é assim a vida” ou um “não sou coveiro”.

O presidente prefere se preocupar com as consequências da doença na economia.

Prefere o impacto nos números futuros, sem enxergar os números atuais.

Quem sabe se falando sobre números, o presidente e quem apoia sua peneira de ver o sol, possam compreender melhor à gravidade da situação.

Enquanto escrevo este artigo, na segunda-feira 10 de agosto, o Brasil registra 3.057.470 casos de covid-19, segundo os números oficiais.

O site do governo informa que 1.371.906 pacientes estão recuperados, 791.906 estão em acompanhamento e 101.752, morreram.

Para o consórcio da imprensa, que monitora os números de forma independente, o número de fatalidades é maior: 101.857.

Com os casos diários se acumulando em pouco mais de 1.000 por dia, quando você estiver lendo este texto, é bem provável termos chegado a 105.000 mortos.

São quase dois estádios do Morumbi lotados.

Em cinco meses, perdemos duas vezes o número de americanos que morreram nos 20 anos da guerra do Vietnã.
Nossos 110.000 mortos equivalem, ainda, a 36 atentados de 11 de setembro.

São três vezes mais do que as mortes em acidentes de trânsito e quase seis vezes as mortes por câncer de mama.
Aproximadamente duas vezes o número de brasileiros assassinados por ano.

Segundo o IBGE, a família média brasileira tem 3,1 pessoas. Ou seja, entre mortos e contaminados, a Covid-19 trouxe dor, sofrimento e preocupação diretamente para cerca de 9.438.157 brasileiros.

De acordo com o G1, o PIB per capita do Brasil era de R$ 8.519 antes da pandemia. Ou seja, os 101.752 mortos, cada um com nome, sobrenome e história que o presidente não se preocupa em homenagear, representaram uma perda de R$ 866.825.288 na produção do país.

Menos 860 milhões no nosso PIB têm um impacto tão grande que fará o país encolher 11,3% em 2020, de acordo com a consultoria LCA.

E isso apenas em função das mortes, sem falar da estagnação da economia e do desemprego que até o final do ano deve chegar a 25.000.000 de trabalhadores.

Esses números, explicam a obsessão de Bolsonaro com o impacto na economia, mas, inexplicavelmente, não servem para estimular o mandatário a tomar atitudes de forma a reduzir a escalada de mortes.

Ao invés disso (e voltando aos números) completamos 90 dias sem um ministro da Saúde.

Justamente o presidente que, em campanha, afirmou ser apenas especialista em matar e que colocaria ministros competentes nos assuntos que desconhece, e rejeitou os ministros da Saúde que discordaram de suas teorias sobre como conter a pandemia.

Para impor uma dessas teorias, o uso da hidroxicloroquina, o presidente mandou o exército produzir o medicamento. Com isso, o estoque do remédio que era de 265.000 comprimidos em três anos, saltou para 2.500.000. O custo total do investimento resultou em R$1.587.549.

Some-se a esse estoque os 2.000.000 de comprimidos doados pelo governo americano, onde o uso do remédio está proibido para casos de covid-19 e teremos estoque do medicamento para os próximos 18 anos.

Para onde se olha, os números são dramáticos, inéditos e beiram o inacreditável.

Enquanto isso o Congresso, os partidos políticos, os sindicatos, a OAB, as organizações de classe, as ONGs, assistem a tudo, inertes.

E as atitudes que a sociedade toma para conter esse massacre é, talvez, o número mais espantoso de todos: zero.

Em cinco meses de pandemia perdemos duas vezes o número de americanos que morreram nos 20 anos da Guerra do Vietnã